Compreendendo Montessori: O Material Montessoriano

Este texto é o segundo da série “Compreendendo Montessori” e tratará do material montessoriano. Nosso primeiro texto, nesta série, foi sobre o desenvolvimento neuronal da criança pela perspectiva montessoriana.

O Material Montessoriano

E.M. Standing foi amigo e admirador de Maria Montessori. Escreveu Maria Montessori: Her Life and Work. Neste livro, inicia sua explicação sobre o trabalho da criança dizendo  que o objetivo de seus esforços é interno, diferente do que ocorre com o adulto. Para clarear esta explicação, uma metáfora é interessante. Se, vendo um homem encher um carrinho com areia de praia, nós nos oferecêssemos para fazê-lo em seu lugar, ele 

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prontamente aceitaria. No entanto, se fizéssemos o mesmo com uma criança que enche seu baldinho de areia, ela nos negaria veementemente e, não só continuaria o trabalho como o repetiria vezes sem conta. 

Isto ocorre porque o adulto deseja transportar a areia para algum lugar. O mais importante para o adulto é o objetivo final. A criança deseja exercitar-se, aprender, viver a experiência e sentí-la de todas as maneiras. A experiência da criança precisa ser respeitada, havendo a menor quantidade possível de interferências adultas e respeito pelo tempo necessário a cada uma para desenvolver e repetir uma atividade quantas vezes quiser.

O método Montessori tem como pressuposto a liberdade. Para que esta liberdade seja proveitosa, no entanto, o ambiente deve ser preparado. “O primeiro objetivo do ambiente preparado é tornar a criança independente do adulto”, diz Standing. A relação que se estabelece, então, é não só do professor com a criança, mas da criança com o professor e com o ambiente. Este ambiente deve ser completamente adaptado aos pequenos, em tamanho e em utilidade, e deve conter os materiais necessários a alguns tipos de desenvolvimento:

  • Vida Prática;
  • Educação dos Sentidos
  • Aquisição de Cultura
  • Outros aprendizados necessários à faixa etária.

As atividades de vida prática visam auxiliar o desenvolvimento do controle motor e das habilidades necessárias para o dia-a-dia. Os principais objetivos desta área, segundo McNichols, são o “cuidar do ambiente”, o “cuidar de si mesmo”, “habilidades úteis para a vida” e “graça e cortesia”. Não há uma seleção fixa de materiais para a vida prática, já que a depender da época e do local, as habilidades a desenvolver podem mudar muito. Entre as mais comuns no Brasil estão as habilidades ligadas à autonomia para se vestir e servir-se na cozinha, assim como o aprendizado de formas de limpar e organizar ambientes.

003424Para a educação dos sentidos, a seleção de materiais é mais tradicional, embora possa contar com inovações dos professores. Para esta área, há dezenas de materiais que procuram educar sentidos específicos, como o da percepção de cor, peso, tamanho, textura, cheiro ou som. Montessori acreditava que antes de se iniciar qualquer trabalho puramente intelectual, os sentidos deveriam estar plenamente desenvolvidos.

É interessante notar que embora os alunos aprendam as características sensoriais com materiais específicos, a aplicação destes conceitos ao mundo real acontece espontaneamente, sem a necessária interferência de um professor em outro momento que não seja a lição inicial sobre como utilizar o material.

Montessori percebeu logo que a aquisição de cultura pode começar cedo, já que o interesse das crianças pelos números e pela escrita, especialmente, é flagrante em todos os locais do mundo e, até onde se sabe, em todas as épocas. Um bom exemplo de como funciona a dependência entre os materiais é a preparação para a escrita.

O desenvolvimento desta habilidade é longo e começa nos primeiros materiais da área sensorial. A delicadeza necessária para segurar um lápis, o controle da pressão sobre o papel, o formato de cada letra e seu som e a habilidade de traçar linhas são competências trabalhadas por muito tempo antes que o aluno, de fato, escreva. Muitas vezes, a criança tem a impressão de ter aprendido a escrever sozinha, já que após conhecer os sons das letras e adquirir as técnicas necessárias, escreve “de repente”, sem receber ordens e por livre e espontânea vontade.

Outros materiais trabalham a cultura como a concebem os adultos: Ciências, História e Geografia. Estes variam completamente a depender do grupo social dentro do qual se insere a escola. No entanto, alguns padrões são obedecidos, já que alguns tipos de habilidades são especialmente agradáveis para a criança: classificação, pareamento, organização e nomeação são algumas delas.

Abaixo, vamos trabalhar algumas das características gerais dos materiais Montessori.

Características dos materiais:

A principal característica dos materiais montessorianos em uma sala preparada é que sirvam à manipulação do aluno sempre. Em uma sala comum, um globo terrestre pode ser utilizado pelo professor à frente da turma. Em um ambiente Montessori, há globos terrestres com diferentes destaques e que devem ser utilizados para vários fins pelos próprios alunos.

Outra característica muito relevante dos materiais é que contém em si o que chamamos de “controle do erro”. O aluno deve poder perceber sozinho, em todos os materiais, quando acertou e quando errou. Como exemplo, temos os cilindros de madeira:

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O aluno deve encaixar todos os cilindros no bloco. Cada um dos cilindros só cabe adequadamente em um orifício da madeira. Se um dos cilíndros for colocado no local errado, será impossível terminar o exercício. Assim, não é necessário que o professor corrija a atividade, já que esta corrige a si mesma, e o aluno percebe seu erro sem nenhuma interferência externa.

O controle do erro nos materiais permite também ao professor uma liberdade muito maior, para que ele possa auxiliar outras crianças, ensinar a se utilizar um ou outro material, corrigir alguma atividade nociva ao ambiente ou às crianças e – sua tarefa mais importante – observar a sala e o desenvolvimento de cada aluno. No entanto, longe de diminuir as responsabilidades do professor, que perde muito da função de ensinar e corrigir, o material didático montessoriano confere muitas outras responsabilidades a ele, pois só sem estar ativamente ensinando o tempo todo o professor pode realmente perceber se os alunos estão aprendendo.

A terceira importante característica dos materiais Montessori é o “isolamento da dificuldade”. Normalmente, para ensinar a cor vermelha, por exemplo, o professor falaria sobre morangos, cerejas e flores, fazendo com que o aluno tivesse de associar muitas palavras e muitas coisas antes de compreender o vermelho. O material para cores de Montessori é uma caixa com pequenos tabletes coloridos.

Os tabletes de cores são todos iguais em textura, forma, tamanho e peso. A única diferença entre eles é a cor, de maneira que o aluno possa associar diretamente o conceito à realidade que ele representa.

A Lição em Três Tempos:

Para ensinar a utilização dos materiais às crianças, o professor não dá uma aula geral e nem insiste muitas vezes. Ele pega o material, coloca-o diante do aluno e demonstra, com poucas palavras e instruções precisas, passo-a-passo, como se desenvolve a atividade.

Muitos dos materiais trabalham com a associação entre conceitos e coisas. Para se ensinar estes conceitos pela primeira vez, utiliza-se a Lição em Três Tempos. Incialmente se mostra os dois objetos e se nomeia a ambos: “Isto é uma colher, isto é um garfo”. Em seguida, pede-se que o aluno aponte, pegue ou mova “a colher”, ou “o garfo”. Depois de algumas variações desta segunda parte, pergunta-se ao aluno “Qual é este?” e “Qual é este?”, apontando-se uma vez a cada objeto. Assim, na primeira etapa nomeia-se algo, transmite-se uma informação. Na segunda, associa-se o nome ao objeto de fato, por meio do movimento, principalmente. No terceiro tempo, testa-se o aprendizado da criança, para que saibamos se a lição foi cumprida. Usa-se poucas palavras, para não confundir a criança, e para que ela possa, a partir deste momento, exercitar-se livremente, sem precisar ficar presa ao adulto por muito tempo.

O objetivo desta explicação foi somente esclarecer que, de todas as personagens da sala montessoriana, a principal é a criança e o primeiro coadjuvante é o material. É por meio da interação entre estas duas personagens que tudo acontece. A função do professor, neste contexto, é fazer com que tudo flua da melhor forma possível, especialmente evitando atrapalhar com interrupções excessivas. O adulto, neste palco, é o contra-regra, que entra quando é necessário e sai quando tudo está pronto. Somente por meio de seu bom trabalho tudo funciona, mas sua importância não é a de quem recebe o foco da iluminação, é a de quem garante que a lâmpada vai acender.

Até mais!

Bibliografia:

McNICHOLS, J.C. – The Montessori Controversy. New York: Delmar Cengage Learning, 1998

STANDING, E.M. – Maria Montessori: Her Life and Work. New York: New American Library, 1962.

MONTESSORI, M. – Dr. Montessori’s Own Handbook. New York: Frederick A. Stokes Company, 1914.

Materiais

15 comentários

  1. Gabriel, tô amando essa série de posts. Tô achando ótimo pra entender melhor a teoria! Após ter lido isso, acho que talvez fosse interessante fazer um post sobre os cuidados que temos que ter ao fazer (pelo menos a gente tenta) alguns dos materiais em casa… Não é fácil achar os materiais, então acabo adaptando…

    Ainda estou estudando pra entender melhor os materiais e as faixas de idade… mas acho que tô desenrolando o estágio atual que meu filho está (3 meses)! Esse site tem me ajudado muito!

    1. Gabriella, excelente ideia!!! Farei, com certeza! Muito obrigado pela sugestão!
      Procure o livro “How to Raise an Amazing Child the Montessori Way” na Amazon. Mesmo que você não leia inglês com muito sossego, vale a pena. As fotos explicam muito e os textos na verdade são bem curtinhos. Mas é um dos mais espetaculares livros sobre o tema, e serve bem para a idade do seu filho, e para as posteriores!
      Abraço!

  2. Oi, Gabriel!!!
    Sempre dou um pulo aqui pra tentar entender cada vez mais o método Montessori… confesso que sei pouca coisa, mas estarei sempre aqui buscando aprender.
    Obrigada por disponibilizar este conhecimento para nós!!
    Quero aplicar com meu bebê de 11 meses!!!

    Abraço!

    1. Obrigado a você, Brenda! Precisamos de muita gente conhecendo e espalhando Montessori! Passe nosso blog para quem você achar que vai gostar, por favor!
      Abraços e tudo de bom para você e o bebê!

  3. Ontem assisti seu vídeo no youtube, muito bom, vou continuar assistindo. Não sabia que tinha esse site…

  4. Oi, Gabriel. Deparei-me com o blog por acaso e, como sei muito pouco sobre Montessori, gostaria de saber mais. Trabalho com acrianças com dificuldades de aprendizagem e creio que o método montessoriano ajudaria muito. Vi alguns de seu vídeos e outros em inglês. Gostaria de saber onde posso encontrar algo sobre o uso dos diversos materiais, mas em português, pois tudo que encontrei estava em inglês. Se você puder me enviar sugestões por e-mail, ficaria muitíssimo grata. Meu e-mail é gpisandelli@gmail.com.

  5. Obrigada pelas orientações, estou montando uma escola e descobri o método bem pouco tempo, gostaria de conhecer melhor a aplicação do material para crianças de 3-5 anos. Grata

  6. Bom dia Gabriel, estou estudando sobre o método para projetar um ambiente para a conclusão do meu curso em Design de Interiores. Gostaria de saber se existe algum material específico que fale mais sobre os ambientes Montessorianos.

  7. Muito obrigada!!! Agora sei, de forma organizada e lúcida, como apresentar cores, formas e atividades em geral, aqui em casa.

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