Publicidade Infantil: um mapa perverso.

O Lar Montessori, concordando com Donna Goertz, a autora do Manual do Proprietário de Uma Criança Montessori, é contra a televisão para crianças pequenas. Mas sabemos que muitas famílias encontram poucas opções além da televisão ou ainda não estão preparadas para abolir este aparelho do dia a dia infantil. Assim, o Lar Montessori coloca-se, aqui, contra a publicidade infantil, e pede que este artigo seja compartilhado com veemência.

Há três motivos pelos quais somos contra a publicidade direcionada à criança: a mente absorvente, o guia interior e a saúde física da criança pequena. Por isso, este texto será dividido em três partes.

A Publicidade Excessivamente Absorvida

A criança de zero a seis anos tem um tipo especial de cérebro. Trata-se de um cérebro em formação constante, rápida e intensa. Tratam-se de conexões neuronais sendo feitas em uma velocidade virtualmente imensurável. Estas conexões são feitas com base naquilo que os sentidos da criança absorvem do ambiente e, especialmente até os três anos, esta absorção é inconsciente. Depois, e durante toda a vida, boa parte do que absorvemos ainda é inconsciente, mas a velocidade diminui e a função da consciência é bem maior.

Um cérebro em formação que se constrói com base no que absorve precisa absorver muito, e por isso Montessori chamou a fase que vai de zero a seis anos de mente absorvente. Assim, propomos este como o primeiro argumento contra qualquer forma de publicidade para a criança pequena: nenhuma criança deve ter sua formação cerebral contaminada por mensagens cuja origem seja o interesse financeiro de adultos.

Um Guia com um Mapa Perverso

Para a formação cerebral que se dá na faixa etária que se estende de zero a seis anos, e novamente com ênfase nos três primeiros, o corpo tem uma ferramenta especial: uma série de substâncias é liberada e auxilia o cérebro a escolher a quais estímulos ambientais ele deve prestar maior atenção, auxiliando assim o desenvolvimento de habilidades como o caminhar, o pegar, o falar e tudo aquilo que é desenvolvido nos primeiros anos de vida.

Para quem olha de fora, a criança parece ser direcionada por uma inteligência superior, que Montessori chamou de guia interior. Este guia sabe o que fazer, mas precisa de um mapa para trabalhar. Necessita de carinho e linguagem adequada, ambientes interessantes e bons estímulos. Não há como guiar a criança para o caminho correto se o mapa estiver errado, o que nos leva ao segundo argumento do Lar Montessori contra a publicidade infantil: é perverso por parte do sistema financeiro dar a uma criança a noção errada de bem estar vinculado à aquisição de bens materiais. Isto engana o cérebro infantil forçando-o a associar conceitos como amoratençãoalegria a bens materiais que não são favoráveis ao seu desenvolvimento e a alimentos que não auxiliam a formação de seu corpo.

Necrofood

As células da criança pequena são como seu cérebro: estão aprendendo como é que se faz, e muitos de seus aprendizados serão levados para a vida toda. Assim como o sotaque que a criança adquire nos primeiros anos de vida permanece com ela mesmo que mude de região geográfica, os hábitos adquiridos pelas células permanecem com elas ainda que os hábitos alimentares mudem mais tarde. O documentário recente Muito Além do Pesoapesar de extremamente polêmico, explica que de cada quatro crianças obesas, três continuarão acima do peso na idade adulta – e isto se deve a fatores ambientais, certamente, mas também ao fato de que células que aprendem a ser gordinhas quando novas, transmitem este aprendizado às células seguintes, que tenderão a manter o mesmo padrão.

A publicidade de alimentos baseada em personagens, cores fortes, sons, e todo tipo de estímulo sensorial, assim como vinculando brinquedos a alimentos não-saudáveis ensina para a criança valores positivos acerca de algo que só é positivo para quem vende, e que sabendo do apelo que o termo pode ter, o Lar Montessori decidiu por chamar de necrofood, acreditando que se trata de comida feita para matar. Isto nos leva ao último argumento: é criminoso expor crianças em fases de formação cerebral e corporal a publicidade alimentícia que tem como objetivo o lucro de grandes empresas a despeito da saúde de nossos filhos, alunos, e do futuro da raça humana.

Novamente, o Lar Montessori pede encarecidamente o compartilhamento deste texto. Não se trata somente de uma educação montessorianalivrejusta para nossas crianças, trata-se de um futuro que todas elas merecem poder viver: um futuro em que suas decisões não sejam pautadas por ligações neuronais inconscientes contaminadas pela veiculação imprópria de publicidade infantil.

Aos nossos leitores, gostaríamos de comunicar que este texto não substitui nossa postagem semanal e que se trata de um manifesto extraordinário. O artigo de domingo tratará da Preparação Interior do Adulto.

Desenvolvimento Infantil

10 comentários

  1. Fundamental e um “tapa na cara” necessário. Me entristecia profundamente ver meu filho (4 anos) afundando nesse mar de lama da TV e consumismo. Parecia impossível resgata-lo. Aos poucos e naturalmente ele foi mudando o foco e hoje me dá uma satisfação imensa quando ele chega da escola e não vai mais obsessivamente apertar o botão de liga da TV.

    Por vontade própria, opta por explorar suas borboletas, observar com o binóculo o mundo pela janela de casa ou qualquer outra atividade disponível no ambiente.

    Cada vez que pega o lápis ou a tinta para desenhar livremente, em vez de ter seu comportamento controlado pela TV, vejo que nunca é tarde para repensar e mostrar um caminho mais interessante e encorajador para a criança e o quanto vale a pena cada segundo de estudo e dedicação.

    Sinto mais e mais a enorme responsabilidade que é ter a vida de uma criança nas mãos e busco incansavelmente alternativas para este caminho seja o mais saudável possível.

    Agradeço a sua generosidade por compartilhar conhecimentos e tornar Montessori acessível a muitas famílias, que estavam “perdidas” e encontraram equilíbrio nas suas palavras.

    Gratidão!

  2. O texto é ótimo, trazendo um tema que está em pauta: a veiculação de produtos para crianças. Esse tipo de comércio me leva a sentir asco pelos comerciantes dessa área, porque você não está apenas fazendo com que crianças “encham o saco” dos pais para que estes comprem o que elas viram na tv, mas está colaborando para que essas crianças cresçam com os valores invertidos. Elas serão adultos consumistas, materialistas e carentes para toda a vida. É um dos modos mais cruéis de comércio.

  3. Muito bom o texto,principalmente na parte onde cita…Um cérebro em formação que se constrói com base no que absorve precisa absorver muito, e por isso Montessori chamou a fase que vai de zero a seis anos de mente absorvente. Assim, propomos este como o primeiro argumento contra qualquer forma de publicidade para a criança pequena: nenhuma criança deve ter sua formação cerebral contaminada por mensagens cuja origem seja o interesse financeiro de adultos. já ajudaria tanto os pais que insistem em tratar uma criança para o campo de ser competitiva com isto.pena que isto não ocorra.Parabéns belo texto. mas esta parte foi a que mais me deixou fascinada com que eu julgo ser o correto.

  4. Espero que muita gente possa ter acesso a esta fascinante leitura, algo que não enriquece só o conhecimento teórico mais que nos leva a refletir a vida como um todo, o quão maus são as grandes empresas que falam de defender uma educação mais não dão a principal lição…

  5. Caros do Lar Montessori, boa noite.

    Venho aqui dar-lhe algumas opiniões sobre como produzir um texto. Inicialmente, acredito que muito do que se foi escrito acima é verdade. Porém, como um sítio aberto para o público e formador de opinião vale a pena vocês citarem fontes. Serei mais claro na minha abordagem.

    Quais fontes e quais pesquisar internacionais (ou até mesmo nacionais) que foram publicadas em periódicos internacionalmente reconhecidos (ou nacionalmente reconhecidos) falam sobre a tal “velocidade virtualmente imensurável” de uma criança?

    Onde podemos encontrar um texto reconhecido internacionalmente, ou seja, fontes seguras, que me verifica a seguinte afirmação:
    “uma série de substâncias é liberada e auxilia o cérebro a escolher a quais estímulos ambientais ele deve prestar maior atenção, auxiliando assim o desenvolvimento de habilidades como o caminhar, o pegar, o falar e tudo aquilo que é desenvolvido nos primeiros anos de vida”?

    Esses são alguns questionamentos que faço no texto acima, entretanto, poderia ter feito em qualquer outro texto publicado no sítio, pois eles não citam fontes confiáveis.

    Acredito no bom intuito das publicações deste sítio porém a falta de conteúdo cientifico, i.e., falta de bibliografia e citações de pesquisadores podem fazer com que mães e pais desacreditem do que aqui é (foi) dito (este é o meu caso).

    Portanto, acredito que em próximos textos ou discussões vocês do sítio necessitam especificar afirmações com bibliografia recomendada. Porém, se o site é simplesmente para repassar situações nas quais não podemos comprovar cientificamente, então pouco ajudará aos pais e/ou pessoas interessadas por tal “filosofia” para seus filhos.

    Desde já, espero que minhas palavras não sejam vistam como uma afronta e sim como melhoria para o site.

    Roberto Capistrano-Filho
    Pós Doutor em Matemática pela Universidade de Cincinnati – EUA.

    1. Roberto, boa noite,

      a informação sobre a qual você pede a referência se encontra no livro O Cérebro que Se Transforma, de Norman Doidge. As afirmações próximas ao trecho baseiam-se no livro Mente Absorvente, de Maria Montessori.

      Entendo suas colocações, e por isso apresso-me a responder este comentário. Minha área de atuação também é a pesquisa científica e eu compreendo a falta sentida por você.

      Gostaria, entretanto, de um instante para responder às críticas menos pontuais levantadas em seu comentário.

      O Lar Montessori é hoje uma das poucas fontes sobre Montessori em português. Mantenho, ao mesmo tempo, esta página, a página do Facebook, um canal no YouTube alimentado semanalmente, ajuda a escolas e famílias, o blog do Centro de Educação Montessori de São Paulo e uma pesquisa em nível de Mestrado. Dessa forma, Roberto, por mais que eu concorde, e eu concordo, com a necessidade de fontes confiáveis sempre citadas, isso não é factível. Não sozinho.

      É com alegria, entretanto, que eu posso lhe informar que muitas das pessoas que vêm até aqui também acompanham as aulas e os grupos de estudo no Youtube, onde via de regra consigo trazer referências, indicações e links para pesquisas que corroboram as afirmações de Montessori.

      Minha preocupação maior não é que as pessoas acreditem no que digo. Isso é uma decisão pessoal, já que mesmo que eu citasse inúmeros estudos, poderia citar inúmeros estudos com métodos falhos de análise, como ambos sabemos que há. Minha maior preocupação é que as pessoas possam ter contato com o ponto de vista de Montessori sobre a criança, trazido ao mundo atual.

      Eu convido você a participar dos Círculos de Estudos em Montessori, às quintas-feiras, às 20h30, no canal do Lar Montessori no YouTube. Eles dificilmente alterarão em algo sua opinião – mesmo nele, por mais que tente, faltam referências o tempo todo. Mas podemos sair ambos enriquecidos com uma alteração de nossos olhares sobre a criança pequena, que é o objetivo fundamental de minha vida e é o motivo de toda a obra de Maria Montessori.

      Em tempo, reforço minha concordância com suas objeções.

      Abraços atenciosos,
      Gabriel

      1. Aproveito ainda para te sugerir a leitura do livro “Montessori:The Science Behind the Genius”, de Angeline Lillard, professora da Universidade de Virgínia. O livro é fácil de achar para importação, e a editora é a Oxford University Press.

      2. Olá Gabriel, Bom dia!

        Gostaria inicialmente agradecer sua rápida resposta que, em partes, me ajudou a entender o intuito do sítio.

        Acredito que o fato de não apresentar, mesmo existindo (como você mencionou), fontes pode tornar as conversas aqui um pouco evasivas em meu ver – aqui a questão não é acreditar ou não no que você diz, e sim ter um leque maior de ferramentas, neste caso, os artigos ou livros, aqui citados, para tentar entender como as ideias deste pensamento funcionam.

        Entretanto, imaginando que a maioria das pessoas utilizavam essa ferramenta do sítio “só como uma ajuda” para entender melhor suas crianças e, em geral, não se preocupam com as características cientificas do que aqui é dito, então acredito que o sitio atinge seu objetivo.

        Por fim, Gabriel, acredito que sua preocupação é de grande valia e parabenizo pelo sítio, porém as coisas não são disjuntas: Meio cientifico x sua preocupação. Sua preocupação é muito importante e o embasamento de suas ideias também, pois acredito que elas não surgiram sozinhas, e aqui neste ponto, a importância, ao meu ver, de citações.

        Estarei a procura de ler mais sobre o método, já que não o conheço em detalhes, só a grosso modo, e por isso estou batendo tanto nessa tecla de meios científicos que me ajude a entender como funciona (não na prática) na teoria essas conversas aqui citadas em seu sítio.

        Um ótimo final de semana e eu espero que em algum momento eu possa assistir aos bate papos no canal do youtube para melhor entendimento do que se passa dentro de filosofia Montessoriana.

        Abraços,

        Roberto.

      3. Roberto, seu ponto de vista foi levado em consideração, esteja certo. Seu último comentário, de teor pessoal, não será publicado. As informações objetivas que você levanta, sobre mim, podem ser encontradas na plataforma Lattes e no resumo sobre mim aqui no Lar Montessori. O teor com que você as levanta não condiz com a comunicação desejada nesta página. Para aprofundamento em Montessori, finalmente, sugiro as três principais obras da autora em língua portuguesa: Mente Absorvente, A Criança e Pedagogia Científica e, se houver interesse filosófico de sua parte, também Formação do Homem e A Educação e a Paz.
        Sobre a rapidez na resposta desta mensagem, e a demora subsequente em qualquer outra, entenda: há uma fila de mais de 250 comentários neste blog esperando respostas. Aos poucos, o que é urgente é respondido, e o que é menos urgente é respondido depois.
        Atenciosamente,
        Gabriel

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