Objetos Montessorianos: Brinquedo e Material

Crescemos com brinquedos. Nossos maiores objetos de desejo quando éramos menores foram brinquedos. Desejamos o carrinho, a bola, a boneca, o videogame, o trenzinho, o autorama, o cavalo de pau, e depois os minigames e videogames portáteis. Nos desenvolvemos acreditando que os brinquedos eram a graça da infância. Por isso, somos adultos que acreditamos nisso. Nós temos certeza de que os brinquedos alegram a criança e dão a ela motivos para sorrir. Somos adultos que vêem na brincadeira o verdadeiro objetivo de vida da criança. Nós achamos isso porque nossas crianças riem quando brincam, e nós amamos seus sorrisos. E ainda assim, em tanto amor e tanta alegria, estamos redondamente enganados.

A criança deseja conhecer, explorar e descobrir o mundo. Deseja ser independente e livre, e busca de todos os modos acessar o mundo do adulto, que é o universo que ela tem por modelo. Assim, tenta copiar seus pais em tudo o que fazem: o computador, o carro, o fogão. Nós, percebendo esta vontade da criança, buscamos satisfazer seu desejo lhe dando computadores de mentira, carros de plástico e fogões sem fogo. É uma boa ação, que fazemos com amor, e que a criança aceita de bom grado, porque é o máximo que poderá ter. Mas perto do mundo real, perto do que há de incrível na realidade, o brinquedo é quase uma troça com a vontade da criança de conquistar sua independência.

Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, brinquedo é “passatempo, distração, coisa que não é séria, coisa fácil de fazer”. As conquistas da criança são difíceis, exigem esforço, trabalho, empenho e dedicação. O aprendizado da fala, do caminhar, e da execução de tarefas do dia a dia, como vestir, limpar, lavar, secar, cortar, comer, pegar, desenhar, abrir, fechar e guardar, exige uma incessante busca e repetidas tentativas por parte dos pequenos, e não se tratam, portanto, de brincadeiras, de passatempos, ou de coisas fáceis de fazer. Acima de tudo, são, para a criança, esforços e trabalhos sérios.

Montessori, quando inaugurou sua primeira sala em San Lorenzo, também achou que as crianças poderiam gostar de brinquedos, e tentou utilizá-los. No entanto, esta sala era equipada com materiais montessorianos e itens do mundo real à disposição dos pequenos. Então, nenhuma criança utilizou os brinquedos que Maria Montessori disponibilizou. Uma professora montessoriana dos Estados Unidos, Paula Polk Lillard, escreve um excelente livro, que consiste no diário que fez durante um ano sobre sua atividade em sala de aula. Neste diário conta que no início do ano utiliza uma caixa de brinquedos para que as crianças achem a escoala semelhante à sua casa, mas que uma semana depois os brinquedos são retirados, e as crianças, já atentas aos materiais presentes na sala, sequer percebem a ausência do caixote.

O brinquedo é despretencioso, é uma distração. É muito bom, mesmo para nós adultos, brincar. Brincar com os filhos, com o cachorro, em um parque de diversões ou com os amigos. Nossas brincadeiras são mais sofisticadas, e gostamos de jogar, alguns gostam de videogames, apreciamos um bom papo jogado fora em volta de uma mesa com boa comida. Tudo isso é muito agradável, como é a brincadeira, mas nada disso nos daria prazer suficiente para que o fizéssemos por anos a fio. Para isso, é necessário o esforço, nós buscamos o esforço que se justifica por um grande objetivo – isso é sonhar e perseguir um sonho.

Com a criança acontece exatamente o mesmo. A criança gosta de brincar, e brincar deve ser considerado um de seus direitos, como é um dos nossos, o lazer. No entanto, a criança também tem suas buscas e seus objetivos. Para ela, no entanto, o trabalho e o objetivo são interiores. Não há para ela, como há para nós, a construção ou criação de algo externo, mas sim a construção de si mesma.

Para essa construção interna, a criança precisa de esforço, trabalho e atividade. Este trabalho, no entanto, precisa de um apoio exterior, um material para exercitar-se. Este é o material montessoriano. Ele serve para ajudar a criança a conquistar o desenvolvimento que ela deseja perseguir. Para que seja eficiente, deve atender a três requisitos principais, que são: a manipulação da criança, o isolamento da dificuldade e o controle do erro.

Primeiro, os materiais são da criança, e não dos adultos. Eles são feitos para serem manipulados pela criança e para que ela se sinta a vontade com eles, não só para que aprenda conteúdos, mas para que desenvolva seus sentidos e sua percepção da realidade.

Em segundo lugar, os materiais, para que ajudem, devem ter objetivos muito claros, trabalhar uma dificuldade, um elemento do mundo, de cada vez. Se um material tem muitos objetivos e ensina muitas coisas de uma vez, não ensina nada. A criança está descobrindo o mundo, e de confusão lhe basta a realide. De nós, ela precisa da ajuda, do apoio e do guia. Assim, quanto mais passo-a-passo puder ser a lição e quanto mais claro estiver para nós o objetivo único da atividade, melhor será para a criança a descoberta do mundo.

O terceiro ponto importante do material montessoriano é que ele contenha em si um dispositivo de controle do erro. O jogo da memória, embora não possa ser considerado um material, tem este dispositivo. Trata-se de algo que impede a finalização da atividade se ela não estiver completamente correta. Com o jogo da memória, se um pareamento é feito errado, ainda que quase todos os segintes sejam acertados, o último dará errado. Assim, o exercício não termina. Isso garante que a criança poderá aprender sozinha, e o professor não precisará corrigir nada, e a criança se desenvolverá por si mesma e seus esforços, sem ter de encarar a figura imensa do adulto desenvolvido o tempo todo.

Por todos os motivos expostos aqui, é possível dizer que não existem brinquedos montessorianos. Existem brinquedos mais inteligentes e menos inteligentes, alguns que trabalham mais e outros que trabalham menos o controle motor, e há os que respeitam mais e os que respeitam menos as fases do desenvolvimento da criança. No entanto, se um “brinquedo” tiver isolamento de dificuldade, um só objetivo, controle do erro e servir à manipulação da criança, sendo aplicado à educação de forma organizada e segundo a fase do desenvolvimento da criança, passamos a ter um material. Caso contrário, temos um excelente e despretencioso brinquedo. É excelente, mas não é Montessori.

Brinquedos e Brincadeiras, Materiais, Outros

17 comentários

  1. Acho muito legal seus textos, aprendo bastante sobre o universo infantil. 🙂
    Tenho uma filha de 2 anos e meio e ajuda bastante a entender o universo dela.

  2. Gabriel muito obrigada por este artigo e por sua opinião sempre muito bem fundamentada. Como mãe que conhece um bocadão de brinquedos, fiquei pensando numa terceira categoria de brinquedos, os que estão entre o 8 e o 80. Eles são claramente inspirados em materiais e seu funcionamento é muito semelhante, para não dizer igual ao dos materiais. No entanto são diferentes porque o brinquedo teve sua aparência “infantilizada”, com cores fortes, formas, carinhas, e quetais. Eles não seguem o padrão dos materiais quanto à apresentação exterior (e em Montessori sei que mesmo essa apresentação tem uma razão importante de ser, mas o pessoal do marketing não sabe), mas seus objetivos pedagógicos são os mesmos. Outro fator importante: esses brinquedos “com funcionamento de material” não são utilizados no ambiente preparado escolar, o que tira deles, em maior ou menor grau, o olhar do adulto preparado também, que particularmente acho bem importante para a apresentação do material e do controle de erro. Costumo chamar esse tipo de brinquedo de “brinquedo com inspiração Montessori”. Não acho que sejam melhores ou piores que outros brinquedos, alguns realmente muito inteligentes e que não passam pelo universo Montessori. Mas o fato é que existem e achei que seria interessante fazer essa observação aqui para acrescentear à discussão . Abraços!

  3. Adoro tudo o que escreve, Gabriel 😉
    Sou mae de um menino de 1 ano e 1 mês, que ainda nao freqüenta a escola, nao compro brinquedos pra ele, sempre dou utensílios que uso no dia a dia para ele explorar e claro, ele tem alguns poucos brinquedos que ganha dos parentes. Gostaria de saber, se vc pode me ajudar, onde comprar “brinquedos” montessorianos para sua faixa etária. Ou dicas de “brincadeiras” montessorianas para crianças que ainda nao freqüentam a escola.
    Muito obrigada e parabéns pelo blog e pelos vídeos no youtube.

  4. Por sinal, acabei de lembrar que quem mencionou pela primeira vez o termo “Inspiração montessori” foi você, num papo lá no grupo da mdoeração 🙂

  5. Olá, tenho interesse em comprar brinquedos montessorianos,porém não estou os encontrando com facilidade. Você conhece algum site que posso comprá-los.? Grata desde já.

    1. Olá Ludmila!
      No Brasil temos a Montessorriso e a Retalho e Amor, até onde sei, que comercializam brinquedos com INSPIRAÇÃO MONTESSORIANA. Espero que você encontre o que procura!

  6. Gabriel, boa noite!
    Sou de SBC. e gostaria de saber onde encontro materiais montessori para crianças 6-9 anos.
    Muito obrigada!

  7. Olá Gabriel,
    Como faço para saber o que apresentar p meu filho em cada fase da vida dele? Não sei se compreende minha pergunta mas…exemplo…ele tem 1 ano e 3 meses…se eu apresentar as letras do alfabeto n vai interessar, pq ele ainda n despertou a curiosidade p as letras…c essa idade dele, o que interessa? E as próximas idades o que eu vou saber o que vai interessar?

  8. Olá,
    Muito interessante esse e outros posts. 🙂
    Crio e confecciono brinquedos artesanais ecológicos e educativos para crianças. Tenho buscado conhecer melhor o método Montessoriano, fonte de inspiração e fundamentação de conceitos que acredito.
    Muito obrigada por compartilhar tantas informações preciosas. Grande abraço.

  9. Por muitos anos pensei desta forma: as crianças só querem brincar. E muitas vezes eu não entendi como uma panela poderia ser mais divertida que um carrinho a pilha. Hoje consigo ver na minha pequena a satisfação de fazer coisa muito simples como regar suas plantinhas ou ajudar a guardar as roupas no guarsa-roupas. Parabéns pelos seus excelentes conteúdos!

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