Ao Gabo, por amor

Há algumas horas faleceu o ex-aluno montessoriano mais querido da América Latina. Talvez o mais querido no mundo. De certo, aquele que prestou a maior homenagem ao método Montessori. Gabriel García Márquez, em Viver para Contá-la, sua autobiografia, diz:

Em teoria é difícil entender esses prazeres subjetivos. Mas aqueles que os tenham vivido compreenderão de imediato. […] Não creio que haja método melhor que o montessoriano para sensibilizar as crianças às belezas do mundo e para lhes despertar a curiosidade para os segredos da vida.

E continuou: “Custou-me muito aprender a ler. Não me parecia lógico que a letra m se chamasse eme, e contudo com a vogal seguinte não se dissesse emea, mas ma. Era-me impossível ler assim. Por fim, quando cheguei ao Montessori a professora não me ensinou os nomes, mas os sons das consoantes. Assim pude ler o primeiro livro que encontrei em um canto cheio de carvão e poeira no depósito da casa. Estava descosturado e incompleto, mas me absorveu de um modo tão intenso que o noivo de Sara soltou, ao passar, uma premonição aterradora: “Caralho! Esse garoto vai ser escritor”. Dito por ele, que vivia de escrever, me causou uma impressão forte. Passaram-se muitos anos antes que eu descobrisse que o livro era As Mil e Uma Noites“.

Gabo, como era chamado pelos que tinha a sorte de lhe serem próximos – e pelo coração de alguns de nós, foi autor de belíssimas obras, das quais somente li integralmente O Amor Nos Tempos do Cólera, meu livro favorito desde os quatorze anos. Ele também escreveu Cem Anos de Solidão, que li parcialmente, mas que lerei inteiro agora, e que encanta a cada palavra. Esse foi seu livro mais lido no mundo, e embora tenha recebido o Nobel de Literatura em 1982 pelo conjunto de sua obra, Cem Anos de Solidão destaca-se imensamente.

É de O Amor nos Tempos do Cólera, porém, a melhor aula que já recebi de Educação Cósmica. O livro começa com a frase:

Era inevitável: o cheiro das amêndoas amargas lhe lembrava sempre o destino dos amores contrariados.

O cheiro de amêndoas amargas vinha do cianureto de ouro. O amor contrariado deu em suicídio. Mas a poesia é de García Márquez. O único que compôs um poema químico em prosa na primeira linha de um romance. Este, também, de primeira linha. Eu li e não entendi, mas achei bonito. A minha professora de Química, três anos depois, foi quem resolveu o mistério, quando mencionou que o cianeto (cianureto, antigamente) tinha cheiro de amêndoas amargas, e matava. Serei eternamente grato à Fátima, a professora de Química, mas um admirador eterno de Gabo, o ex-aluno de Montessori que me ensinou o que é Educação Cósmica.

Não me esquecerei, e não nos esqueceremos nunca, do homem que criou a comunidade que perdeu a memória. Lembraremos dele como o casal, que esperou mais de meio século para se amar por toda a vida. Nosso coração retomará o tecido de sua prosa, sempre.

Obrigado, Gabo. Você me ensinou muito mais do que Montessori. Você me ensinou o amor e a eternidade.

Muito em breve nos veremos – lhe digo.

Por amor.

Gabo-art

Reflexões

5 comentários

  1. Linda esta homenagem a Gabo, li muito jovem ainda Cem anos de solidão, está na hora de reler. Adorei saber da sua instrução em Montessori e vou correndo ler Amor nos tempos do cólera. Um abraço Gabriel Salomão! Boa Páscoa garoto!

  2. Gabriel, me emocionei com a ternura do seu texto! Também sou admiradora da escrita e do homem Gabo! Assim como você li “O Amor Nos Tempos do Cólera” e não entendi a primeira linha do romance, mas imaginei bastante, lembro que li e reli. E agora lhe sou grata por compartilhar a resolução do mistério.

    Abraço!

    Rosimeire

  3. Gabo, ah Gabo!! Esse é se dúvidas o meu maior amor literário!! Ele preencheu os meus dias de adolescentes! Encantou minha alma!! Minha maior influência!! Não me canso de ler seus livros!! Quando li Viver para contar pela primeira vez, não tive consciência do que seria Montessori, ao fazer uma releitura ano passado, me apaixonei ainda mais pela sua história pela influência montessoriana!! Para mim foi a perda de um grande amor!! Sonhei muito em conhecê-lo pessoalmente!!

  4. Cada vez mais consigo identificar semelhanças no método Montessor na maneira como os japoneses educam as crianças, acabei de voltar de uma consulta de rotina de 4 meses e eles ensinam tudo o que já li sobre o método!! Como estimular a criança, uma pena não poder postar fotos aqui, pois fotografei a página da revista que ganhei! Estou amando ser mãe!

    1. Sabrina, SIM! Quando fazemos o curso de formação em Montessori esse é um tópico que sempre surge. A semelhança entre culturas orientais, em geral, e o método Montessori. Há realmente muitas semelhanças, sua percepção está acurada. Obrigado por trazer essa perspectiva!

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