​O Papel do Vidro em Montessori

Uma das cinco características que Montessori confere ao ambiente preparado para a criança, e ao material, é o Controle de Erro. O controle de erro é o que permite à criança aprender com o ambiente e os objetos, sozinha, além de aprender com o adulto, por interação e observação. Ele é uma das fundações necessárias ao processo da autoeducação. Sem controle de erro, o adulto precisa corrigir a criança o tempo todo, e ela só aprende o que ele ensina e controla.

Encontramos o controle do erro, no dia a dia, em atividades de encaixe, por exemplo, que só terminam quando acertamos. Também o encontramos em jogos como a cama de gato, boliche e quicar pedras em rios. Na sala montessoriana, o controle do erro é parte dos materiais ou da relação entre eles e a criança. Em casa, o mesmo princípio pode existir em atividades práticas como lavar um prato (que só fica limpo se levarmos bem), vestir calças, dobrar toalhas ou servir sopa.

Uma outra característica do ambiente preparado que também é uma característica do material montessoriano é a beleza. Tudo o que envolve a criança pequena deve ser belo para que ela tenha interesse não só em agir, mas em agir adequadamente, com cuidado e destreza. Aquilo que encanta a criança pela beleza tem uma chance maior de ser bem utilizado por ela. 

Juntas, essas duas características são de um potencial imenso, e explicam o uso do vidro e de outros materiais frágeis em casas e escolas montessorianas.

Em primeiro lugar, o vidro agrada a criança sensorialmente, talvez por ser igual ao material usado pelos adultos, mas talvez por ser muito superior ao plástico, mesmo – a maior parte dos plásticos é de baixíssima qualidade, péssimo acabamento, decoração deplorável, e soltam sabor.

Nada no plástico é belo de verdade, na maior parte das vezes. Quando a beleza existe, geralmente o que ocorre é que o plástico se parece muito com alguma outra coisa (madeira, vidro, porcelana ou metal).

Porque o vidro é muito mais bonito e muito mais nobre, a criança toma muito mais cuidado com ele do que com o plástico. Assim, quando ocorre o primeiro acidente, ele usualmente é um profundo aprendizado sobre a fragilidade do mundo, e a criança dali em diante cuida duplamente da forma como manuseia os objetos quebráveis, para não os perder de novo. O ambiente fala com ela, e ensina a ela a importância da delicadeza. É frequente inclusive que crianças habituadas a jogar pratos e copos no chão parem de fazer isso imediatamente quando recebem objetos de porcelana e vidro iguais aos dos adultos.

É importante, no entanto, que não invertamos a ordem das coisas. O vidro (como a porcelana) é uma delicadeza que chega depois de outras delicadezas. Primeiro, tornamo-nos delicados no trato, depois no tempo, em seguida no resto do ambiente, e quando a criança confia em nós, no ambiente e em si mesma, o vidro chega. Tudo isso pode demorar “nada” se buscamos Montessori desde o nascimento. Mas pode pedir algumas semanas, até uma dupla de meses, se começamos com Montessori bem mais tarde. O vidro não precisa – e não deve – ser a primeira mudança de sua casa ou escola. Mas ele não é a última. Chega assim que as delicadezas iniciais já foram compreendidas, e a importância do movimento controlado foi razoavelmente assimilada.

Um ambiente violento ou barulhento gera estresse e ansiedade, e implica em dificuldade de concentração, reflexão e controle do corpo. Isso pode fazer com que o vidro ou a porcelana sejam um perigo. Ao mesmo tempo, conforme o ambiente se acalma, objetos frágeis são um estímulo a mais ao cuidado e à tranquilidade.

Eventualmente, vai haver acidentes, e você vai afastar sua criança no começo. Só mais tarde, perto dos três anos ou a partir deles, é que ela vai aprender a varrer, com cuidado e calçada, sempre. Mas acidentes ocorrem com todos nós, e você talvez note que a frequência é muito menor com as crianças. Isso talvez tenha a ver com a importância profunda que elas conferem a tudo aquilo que as inclui no mundo real.

Para finalizar, permitam uma historinha. Certa vez, em uma pequena escola que estava começando, foi comprada uma caixa de doze copos de vidro em tamanho normal (copo americano). Ficamos todos apreensivos. Eu porque era minha primeira experiência introduzindo vidro, e a equipe porque era a primeira experiência deles confiando em crianças com Montessori.

Depois de duas semanas retornei à escola e perguntei como iam as coisas. Ninguém falou do vidro, então eu perguntei. A professora: “Bom, foram quebrados três copos”. Achei pouco e devo ter sorrido. Ela continuou: “Desses, as crianças só quebraram dois. Um fui eu”.

Escola Montessoriana, Materiais, Preparação de Ambientes

5 comentários

  1. BOM DIA GABRIEL!!
    SOU UMA ESTUDANTE E TRABALHO EM UMA ESCOLA MONTESSORIANA, ESTOU FAZANDO A MINHA MONOGRAFIA SOBRE VIDA PRÁTICA.
    SE POSSIVEL GOSTARIA QUE VOCÊ ME ENVIASSE ALGUMAS COISAS DE VIDA PRÁTICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL.
    GOSTO MUITO DO MATERIAL QUE RECEBO POR EMAIL.
    GRATA!!
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  2. Olá, sou acadêmica de Arquitetura e Urbanismo e o meu tema para o TCC é um projeto arquitetônico de creche. Gostaria de utilizar o método Montessori na concepção projetual. Quais referências bibliográficas vocês me indicariam para entender melhor o método, de forma que eu possa absorver o conceito pedagógico e transmiti-lo para o espaço físico? Desde já agradeço

    1. Oi, Iasmyn! O livro Pedagogia Científica seria excelente para você. Se você ler inglês, procure online também o The Montessori Method. São duas edições do mesmo livro, mas vale a pena ler as duas se você puder. Abraços!

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