Nós sabemos cortar pão. Talvez nossos filhos não saibam. Sabemos cozinhar. Talvez nossos filhos não saibam. Sabemos ler e escrever. Talvez nossos filhos não saibam. Se pensarmos por um momento em tudo o que sabemos e que nossos filhos não sabem, pensaremos em quase todas as ações da humanidade. A humanidade sabe construir castelos e submarinos. Nossos filhos não sabem. Impérios, curas, tecnologia. Eles não sabem.
Desde o início dos tempos, nós temos dominado o mundo. Conhecemos nosso ambiente hoje desde as menores partículas, muito menores que os átomos, e os maiores conjuntos de galáxias. As crianças não conhecem. Como é possível que alguém nos diga que nossos filhos sabem mais que nós?
Para Maria Montessori, há dois tipos muito importantes de trabalho no mundo. Um deles é exercido pelo adulto, o outro pela criança.
O trabalho do adulto envolve a construção do mundo. As descobertas sobre o universo, a matéria, a energia, a vida e a arte… todas elas são tarefas do adulto, que a criança não consegue fazer. Ou não faz com tanta competência. Mas ela faz outra coisa.
Nossos filhos colocam e tiram as calças. Eles abrem e fecham gavetas. E eles lavam as mãos. Mas depois, fazem isso de novo. Colocam as calças outra vez. Abrem as gavetas outra vez. Sujam as mãos para lavar de novo. O que é que há? Será que elas não entenderam o propósito das coisas? Será que não entenderam que depois de colocar a calça está tudo bem, e ela pode ficar lá?
Se elas entenderam ou não, não importa, porque elas sabem que as calças também não importam. O foco da criança não está, nem pode estar, no mundo. O foco dela está nela mesma.
Colocar e tirar as calças não é importante pelas calças. É importante pelo colocar e tirar. Pelo fato de que colocando e tirando alguma coisa se constrói na criança, que vai além da habilidade sofisticada de colocar e tirar calças. Quando a criança faz isso repetidamente, constrói concentração, persistência, habilidade de lidar com frustração e percebe a si mesma conforme existe no mundo por meio de suas ações.
Montessori sugere de novo e de novo: Nunca ajude uma criança em alguma coisa que ela acha que pode fazer sozinha. Repare: o foco dessa frase não está no pode fazer sozinha, mas no acha. Se ela acredita em si, nós respeitamos essa confiança, e é porque nós respeitamos e não ajudamos que essa confiança pode se construir e ganhar firmeza, ajudar a superar obstáculos e adotar novos desafios.
É sobre isso, sobre esse misterioso trabalho interior, que a criança sabe muito mais do que nós.
Se nós permitirmos, por um par de horas, por um dia, que a criança aja sem nossa interferência, a não ser em momentos de necessidade absoluta, veremos como eles são capazes de muito mais do que imaginávamos. Veremos que nunca soubemos de sua potência. Que nunca soubemos de seu poder. Que nós, adultos, nunca soubemos de sua natureza. E que de fato, sobre si mesmos, nossos filhos sabem mais do que nós.
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O título deste texto vem de um capítulo do livro Maria Montessori Speaks to Parents, que também é referência para parte do conteúdo do texto.
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Obrigada Gabriel! Do outro lado do Atlântico gosto de ler os seus textos tão sábios.