O que você pode fazer pela paz – começando pelo seu filho

Cubo do MilDesde 01 de janeiro de 2018, mil crianças morreram na Síria. Em Montessori, usamos um cubo para simbolizar o mil, e ele tem mil bolinhas douradas. Eu olho para um deles agora e penso em mil. O número. Imenso quando se é uma criança, imenso quando são mil crianças. E a pergunta que todos se fazem é: como eu posso mudar isso? E nós podemos pensar em tratados internacionais, em leis mais fortes. Mas Montessori dizia: “Leis e tratados não são suficientes. O que é preciso é um mundo novo, cheio de milagres”. Agora, por que deveríamos ouvir Montessori nesse assunto? Ela era só uma educadora.

Montessori viveu a experiência da guerra, o horror da guerra. Fugiu da Itália, fugiu da Espanha, foi prisioneira na Índia, seu filho viveu em um campo de concentração, ela deu um de seus melhores cursos em Londres, quando a cidade era só cinza e ruína, depois da Segunda Guerra Mundial. Montessori conhecia a Guerra. Ela estudava o desenvolvimento da mente humana, descobriu como funciona a paz, e foi indicada três vezes para o Prêmio Nobel da Paz. Este texto é sobre como nós podemos, de verdade e em poucas gerações, acabar com a guerra.

Para entendermos Montessori, precisamos acompanhar seu raciocínio. Para ela, existem algumas diferenças entre adultos e crianças, e a mais importante é o tipo de trabalho que os dois fazem.

O adulto trabalha para fora, e a criança trabalha para dentro. Quando o adulto trabalha, se esforça para fazer com sucesso alguma tarefa fora dele. Quando termina, fica feliz, e recebe sua recompensa, também exterior, na forma de dinheiro, por exemplo. Quando a criança trabalha, não faz isso.

Quando a criança trabalha, esforça-se também. Mas quando termina, desfaz o que fez e começa de novo. Tira e põe as calças, lava as mãos, e aí lava outra vez… Então, seu sucesso não está em terminar a tarefa. A alegria dela não está no que aparece fora dela, mas no que acontece dentro dela. E a recompensa pela tarefa também não é o “muito bom!” dos pais, uma estrela no caderno, ou um presente. A alegria dela é a conquista interior que fazer as coisas proporciona para as crianças.

Por causa disso, as crianças têm um ritmo diferente do nosso. Elas demoram mais, repetem mais, dedicam-se intensamente às coisas, e não abrem mão daquilo que é realmente importante no desenvolvimento. Mas a gente queria que elas abrissem mão só de vez em quando, para não chegarmos atrasados na casa da vovó. Mas elas não abrem. Se é importante, é importante.

Agora, nós, adultos, não conseguimos entender isso muito bem. Porque se trata de um segredo, guardado dentro da criança, que ela só revela pelas ações, mas não sabe dizer em palavras. Aquele tempo todo que ela está dedicando a subir e descer degraus é na verdade um tempo dedicado a construir o ser humano. E nós não enxergamos isso. Então fazemos três coisas.

  1. Nós interrompemos demais;
  2. Nós proibimos demais; e
  3. Nós ajudamos demais.

Quando a criança está entregue a uma tarefa importante, nós interrompemos para que ela faça qualquer tarefa desimportante que a gente ache que importa. E nos enfurecemos quando a criança não pára imediatamente para fazer o que mandamos.

Quando a criança tenta fazer coisas novas e nós achamos que existe qualquer risco, ou qualquer ameaça ao nosso conforto físico, material ou emocional, proibimos imediatamente, e nos enfurecemos se a criança nos enfrenta, se discorda de nós, ou se não nos escuta.

Quando a criança está enfrentando dificuldades, dedicada, focada, mas com dificuldades, por piedade nós ajudamos imediatamente e a aliviamos de qualquer desgaste. E ela se entristece, revolta-se, nega nossa presença, chora. E nós não compreendemos.

Toda essa raiva, toda essa incompreensão adulta, é resultado de uma cegueira. O adulto não enxerga a criança, ele não enxerga o segredo da criança. E aí faz tudo às cegas, e provoca dor.

O processo de interromper, proibir e ajudar excessivamente a criança impede seu desenvolvimento, impede sua expressão natural, sua vida. É um processo universal de opressão da criança. E as crianças aprendem, desde muito cedo, a opressão.

Quando uma criança aprende opressão muito cedo, duas coisas podem acontecer na vida dela: ela pode se tornar uma opressora e achar isso normal, ela pode se tornar uma oprimida e achar isso normal, ou as duas coisas juntas – que é o caso da maioria de nós. Qual é, então, a solução para isso? Qual o caminho da paz?

A solução, proposta por Montessori, é libertar a criança. Libertando-a, dizia a educadora, nós transformamos a criança no mundo. Libertando a criança, ela criará um ser humano novo, e um mundo novo, cheio de milagres. Agora, quero dizer algumas formas de libertação. Há outras, leia este blog, assista nossos vídeos, e leia Montessori. Mas comece assim:

  • Quando seu filho estiver fazendo algo que pareça importante, evite ao máximo interromper, e se for precisar interromper, faça isso baixinho, devagar, com paciência, e o máximo de tempo possível.
  • Quando seu filho estiver repetindo a mesma ação pela décima vez, dê espaço e tempo a ela, pegue mais papel, mais pano, mais água, ou o que for necessário, e fique em silêncio, para que ele repita mais dez.
  • Quando ele estiver com dificuldades, mas estiver confiante ainda, tentando ainda, não interfira, não ajude. Montessori disse: “Qualquer ajuda desnecessária é um obstáculo para o desenvolvimento”.
  • Quando seu filho estiver a ponto de desistir, dê só uma mínima ajuda. Não faça a coisa toda. Faça só um pouquinho, para ele respirar fundo e ter chance de tentar de novo.

E agora, alguns dos princípios de Montessori para o adulto, adaptados daqui – se você quiser, explicamos estes princípios também em nosso livro:

  • Nunca fale mal do seu filho, na frente dele ou às costas dele.
  • Nunca, por nenhum pretexto, bata no seu filho, ou toque nele se ele não quiser ser tocado, nem permita ou force que ele toque outras pessoas contra sua vontade.
  • Quando encontrar um comportamento ruim, foque nos comportamentos bons, ajude os comportamentos bons a aumentarem sua presença, para que sobre cada vez menos espaço para o que é ruim.
  • Dedique-se à preparação do ambiente da criança, do lugar onde ela vive, aprende, brinca, se esforça e se desenvolve. Montessori disse: “A criança não aprende ouvindo palavras, mas por meio da experiência no ambiente”.
  • Esteja disponível para a criança que recorre a você, mas esconda-se da criança quando ela encontrar algo a que se dedicar sozinha, e permita.

Nossas crianças não se tornam o que nós queremos que elas se tornem. Elas se tornam um pouco daquilo que nós mostramos para elas, e um pouco daquilo que nós fazemos com elas. Crianças vítimas de agressão agridem mais. Crianças oprimidas se relacionam com a opressão como se fosse normal. O medo, a raiva, a tirania, a sede de posses e de poder são raízes da guerra. E Montessori viu tudo isso desaparecer do comportamento humano quando criou Casas de Crianças onde elas podiam ser livres e construir seu mundo novo. Nós ainda podemos fazer isso. Você e seus filhos ainda podem. Cada uma de nossas casas e nossas salas de aula podem ser as origens secretas e silenciosas da paz do futuro.

Não existe um caminho para a paz que não passe pela transformação da humanidade. E Montessori disse: “Se a ajuda e a salvação hão de vir, virão da criança, porque a criança é quem constrói o ser humano”. Compartilhe este texto via redes sociais, e-mail, e todos os meios que você puder. Existe um caminho para a paz, e nós podemos trilhar juntos.

Este texto foi escrito a partir das ideias de Maria Montessori em “A Criança”, “A Educação e a Paz”, “Peace and Education” e “The Montessori Decalogue”. Compartilhe.


Curso Montessori

Desenvolvimento Infantil, Paz

8 comentários

  1. Montessori foi mesmo maravilhosa! Dá para entender que ele própria se punha na escuta do seu interior, não deixando que o “mundo’ estragasse os momentos verdadeiros! Tinha uma intuição preservada, e lutava por ela. Foi uma benção para a humanidade!

  2. Fiquei muito emocionada com este texto. Porque ele conta muito do que foi minha vida, e do quanto isto me custou, tanto do ponto de vista emocional, quanto acadêmico e profissional. Até hoje vivo o desafio de tentar me concentrar para fazer algo, sem que ninguém me interrompa, de fazer algo que possa conseguir começar e terminar… tudo o que nos privam na infância, carregamos como fardo quando adultos. É o preço que nossa sociedade nos impõe.

  3. Só queria deixar registrado aqui que esse texto, por alguma razão, me tocou mais do que qualquer um que já tenha lido na vida. Eu infelizmente conheço muito pouco sobre Montessori, mas amo tudo o que já li. Mas, não poderia deixar de agradecer. Muito obrigada. Mil vezes obrigada.

  4. Texto marcante! Todos precisavam ler! Palavras que tocam… Gratidão Montessori pelo seu legado! Gratidão Gabriel por ser uma ponte que nos transmite tanto conhecimento, tanta verdade!

  5. Olá Gabriel! Meu nome é Priscila, sou mãe da Melissa, de 2 anos e 11 meses.

    Primeiramente quero te agradecer por todo o material que recebo por e-mail, tem me ajudado imensamente a repensar a minha forma de agir e trazido mudanças positivos para o relacionamento entre eu e a Melissa.

    Tenho muitas dúvidas, muitas perguntas sempre, que gostaria de te fazer, mas vou descrever um pouquinho do sobre três comportamentos da Mel que tem sido bastante dificultoso para eu lidar:

    – Puxa brinquedos da mão dos amiguinhos e joga esses brinquedos no chão. Não há interesse em brincar com aquele brinquedo naquele instante, mas de impedir que o amigo brinque. Eu explico que isso é errado e ela começa a chorar. – Tentativa de “mandar” nos adultos. Até em detalhes. Ex.: Se coloco a mão na mesa manda tirar. – Dificuldade de entender que há dia e horário para fazer algumas coisas, como assistir televisão, comer doce, etc.

    Imagino que você receba muitos contatos, não sei se é possível pra você responder minhas perguntas. Mas de qualquer forma te agradeço mais uma vez por toda ajuda através das redes!

    Priscila Real

  6. Hoje sou avó pela primeira vez de uma linda e perfeita menina. Estou mega feliz em receber esse texto da minha nora. Tive a felicidade de conhecer um pouco do método de ensino montessoriano, pois 2 dos meus 3 filhos tiveram a oportunidade de brincar e aprender em uma escola na primeira infância. Hoje são homens feitos e independentes em tudo.

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