Respeitar o Ritmo da Criança – A Lição de Michelangelo

Olhe para o seu filho. Levando um copo d’água até a boca pela primeira vez. Se ele for muito pequeno, recorde-se de quando ele conseguiu acertar um móbile com a mão pela primeira vez também. Lembre-se de como ele tentou de novo, e outra vez. Dos erros e acertos, e da vontade de continuar. Da lentidão, dos fracassos, das inúmeras tentativas. Tudo isso pode passar despercebido para um adulto. Mesmo para um adulto que ame. São mistérios da criança, e segredos que ela guarda.

A criança é apaixonada pelo insignificante. Nós nem sempre entendemos isso bem, e tentamos mostrar a ela o mais interessante. Ela tenta colocar as meias oito, nove vezes. Nós nos mordemos de pena, e colocamos as meias para ela. Ela reclama, chora. E nós explicamos que agora ela vai poder ir para o parquinho! Correr! Brincar! Ao nosso olhar, isso é tão mais interessante do que colocar as meias.

Mas a criança é apaixonada pelo insignificante. E ela é lenta no insignificante. Em lugar de abotoar logo sua camiseta, demora. Em vez de se pentear rápido, vai muito devagar. E quando termina, a linha na cabeça parece um labirinto. E nós, cheios de constrangimento porque nossa filha vai ser vista com os cabelos tortos, nos compadecemos e ajudamos, penteamos de novo. E ela reclama: “Eu já penteei” e nós somos gentis: “Eu sei, filha, eu estou só…” Só o quê? Corrigindo. Só acertando. Só deixando perfeito.

Mas a criança não é perfeita. Ela está no caminho da perfeição. E é apaixonada pelo caminho. Por cada passo dele.

Quando falamos de respeito ao ritmo da criança podemos entender isso como geralmente entendemos: cada criança tem um ritmo…

Mas existe um outro jeito, melhor, mais profundo, mais revolucionário.

A criança tem um ritmo completamente diferente do ritmo do adulto. E é essa diferença que precisa do máximo respeito.

A criança é lenta e excessivamente repetitiva. Esse é seu ritmo.

O adulto já sabe fazer as coisas, e agora ele só reproduz o que já sabe. Mas, ao contrário do que pensamos, a criança não está só aprendendo. Ela está criando. Um ser humano inteiro. Habilidade por habilidade. Abotoar, dar laço no sapato, levar o copo até a boca, acertar o móbile, abrir uma gaveta, comer. Ela está construindo cada habilidade. Fazendo as conexões cerebrais necessárias. Criando.

E, claro, o trabalho de criação do ser humano é mais longo, mais demorado e mais repetitivo do que o trabalho de reprodução.

Por um instante, pense no Davi, de Michelangelo:

Quando Michelangelo esculpia, ao seu ver, ele não impunha uma forma a uma rocha. Ele libertava a estátua dos obstáculos que a impediam de aparecer. A criança faz a mesma coisa: liberta-se dos obstáculos que a impedem de ser um ser humano com plena capacidade de ação.

É muito mais fácil copiar Davi do que libertar Davi pela primeira vez. O ponto é que para a criança é sempre a primeira vez. Por isso ela é repetitiva, e lenta, e por isso ela se dedica com muito mais intensidade do que o adulto a tudo o que faz.

Nós temos mais facilidade em lidar com o descontrole da criança, a velocidade dela. Quando a criança é extremamente rápida, derruba coisas, e faz barulho, dizemos a nós mesmos: Crianças são assim. Mas quando a criança demora, repete, tenta de novo, fracassa, se esforça, nós não pensamos que Crianças são assim. Pensamos que ela precisa de ajuda.

Ela precisa. Mas a maior ajuda que a criança pode receber só pode vir de um adulto treinado na paciência.

Imagine o tédio, o desespero e a confusão de quem observasse Michelangelo dar as primeiras marteladas que libertariam Davi.

Agora, imagine o encanto de quem o viu dar as últimas marteladas.

Agora, imagine o encanto de um escultor treinado, que o visse dar as primeiras, e permanecesse lá, observando, em silêncio, até a última.

Esse é o adulto de que a criança precisa. Um que a deixe trabalhar em paz, libertando-se de cada obstáculo, até que esteja satisfeita. Um adulto que não a corrija, que espere mais, que permita a repetição, e que assista, em silêncio, paciência e reverência, ao enorme trabalho de criar um ser humano.

Criar um ser humano é muito mais difícil do que libertar Davi de um pedaço de rocha. O maior trabalho da humanidade é feito pelas menores mãos. Elas trabalham em outro ritmo. E é este ritmo que precisamos compreender e respeitar.


Existem muitos caminhos para uma tranquila com respeito pelas crianças. Se você quiser conhecer esses caminhos, venha ver o novo curso do Lar Montessori. Ele foi criado a partir de centenas de conversas com famílias e de um estudo profundo da obra montessoriana. Veja o que algumas famílias estão dizendo:

Parabéns pelo curso, por em apenas duas horas você conseguir sintetizar tantas coisas complexas de uma maneira que parece simples. Há 5 dias eu comprei o curso e assisti tudo. Só tenho a agradecer. A mudança é real. – (Alan, pai)

Esse curso foi transformador, mesmo depois de ter feito vários outros cursos. (Jennifer Barbosa, mãe)

2 comentários

  1. Gabriel,
    Obrigada pelo reflexão! Pensar no tempo da criança como o tempo para a construção de sua humanidade nos conscientiza sobre a importância de respeita-lo. Como pais, como podemos tornar esse respeito ativo em mundo construido sobre tempos pré – estabelecidos? Como por exemplo :horário de iniciio de aula na escola.

  2. Que texto lindo Gabriel! Que analogia incrível! Como eu demorei para entender que de nada adiantaria ler a biblioteca inteira de Montessori ou de quaisquer conteúdo ligado à infância se eu não aprendesse a ter paciência, se eu não aprendesse a respeitar o ritmo da minha criança, se eu não entendesse o porquê de ele ter passado ontem uns 12 minutos para espremer 3 laranjas e, depois, uns 20 minutos para lavar 3 copos, uma jarra e um espremedor. Como é difícil deixar a ira e a tirania! Como é difícil esperar a criança trabalhar para dentro! Como é difícil se reinventar!
    Muito obrigada pelos textos, muito obrigada pelos vídeos, muito obrigada por dividir seu conhecimento comigo. Você é um ser humano de luz!

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