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Método Montessori

Método Montessori é a perspectiva educacional desenvolvida por Maria Montessori e seus colaboradores [1] a partir da observação do comportamento de crianças em ambientes estruturados e não estruturados. Seu objetivo é ajudar o desenvolvimento da vida da criança, de forma integral e profunda.

A pedagogia montessoriana é fundamentada na observação, e por isso dá suporte ao desenvolvimento infantil de forma especialmente eficaz. Desde 2007, estudos com alto grau de confiabilidade vêm sendo desenvolvidos para verificar a eficácia de Montessori, e a cada nova publicação, confirmamos que as descobertas de Maria Montessori e seus colaboradores são mesmo o melhor caminho para ajudar o desenvolvimento das crianças, incluindo aspectos cognitivos, sociais, emocionais, de conteúdo e de desenvolvimento cerebral.

Não creio que haja um método melhor que o montessoriano para sensibilizar as crianças sobre as belezas do mundo e para despertar sua curiosidade para os segredos da vida.

Gabriel García Márquez, Prêmio Nobel de Literatura

História do Método Montessori

Maria Montessori (1870-1952) foi uma psiquiatra italiana e uma das primeiras mulheres a se formarem em Medicina na Itália [2]. No final do séc. XIX, as condições de vida e tratamento de crianças com deficiências internadas em instituições psiquiátricas era terrível, e Montessori, em parceria com um colega e um professor da Universidade de Roma, trabalharam para transformar essas condições, e oferecer às crianças chances de um desenvolvimento mais completo e uma vida melhor.

Para isso, criaram a Escola Ortofrênica, cuja base eram textos de antropologia pedagógica e os métodos didáticos desenvolvidos por Édouard Séguin. Os resultados do trabalho do trio foram surpreendentes, e algumas das crianças conseguiram aprender mais na Escola Ortofrênica do que as crianças sem deficiências aprendiam nas escolas regulares da época.

Estimulada por isso, Montessori voltou a estudar em cursos livres da Universidade que tratavam de Filosofia da Educação, Psicologia Experimental e Antropologia Pedagógica [2], até que em 1907 teve a chance de usar os mesmos princípios para montar uma escola em São Lourenço, um bairro da periferia de Roma e experimentar livremente novos métodos pedagógicos. A Casa das Crianças, como foi chamada essa instituição, deu a Montessori a chance de observar o comportamento de crianças com desenvolvimento típico, em liberdade, num ambiente que era reestruturado a cada nova demonstração das necessidades de desenvolvimento das crianças.

Lá, os filhos de famílias que trabalhavam até dezoito horas por dia e eram quase todas analfabetas, alfabetizaram-se muito melhor e mais rápido do que se esperava – na época – para a idade e classe social. Além disso, tornaram-se crianças tranquilas, admiravelmente educadas, gentis e generosas, concentradas, independentes e disciplinadas. Assim, nasceu a Pedagogia Científica, uma abordagem educacional que se transforma a partir das observações que o professor faz, enquanto as crianças vivem no ambiente com liberdade para fazer tudo o que as conduza a um bom desenvolvimento.

Montessori em escola fundada por Alexander Graham Bell e família, 1913. Créditos a Montistory.

O método Montessori se espalhou por toda a Terra, e Maria Montessori viajou por todo o planeta espalhando os segredos da infância, que ela descobria com cada vez mais precisão e profundidade conforme observava crianças em ambientes sociais e geográficos variados, e conforme trocava e colaborava com dezenas de professores ao redor do mundo. Sua proposta foi a criação de uma nova ciência da educação, e hoje as ciências cognitivas e as neurociências dão suporte a cada uma de suas descobertas, com novas publicações todos os anos comprovando a precisão de seus insights e observações, e a eficiência e eficácia da abordagem pedagógica que desenvolveu.

Olhando para o número de escolas montessorianas no mundo (somente 25.000) podemos ter a impressão de que a disseminação das ideias de Montessori não foi tão grande. Mas a presença de Montessori se mede menos pela presença de seu método “completo” nas escolas, e mais por aspectos dele que se tornaram valores universais:

Todas essas foram inovações que Montessori criou, ou que existiam antes dela, mas foram reorganizadas e disseminadas por seus livros e cursos, mais do que por qualquer outra influência na história da educação [3].


A Criança no Método Montessori

A grande descoberta montessoriana é que as crianças são as construtoras da humanidade[4]. Do ponto de vista montessoriano, não são os adultos que “constroem” as crianças, mas as crianças que fazem os adultos. O adulto depende dos esforços da criança. Esse é o tamanho de sua importância – ela não é mais um ser passivo que será aquilo que fizermos dela, mas um ser ativo, que se esforça o tempo todo para preparar a humanidade de amanhã. Por isso, o empenho da criança vai sempre na direção de se tornar cada vez mais independente dos adultos, cada vez mais forte e mais potente.

Para Montessori, o desenvolvimento acontece em fases, que são chamadas de Planos de Desenvolvimento. A cada plano, as crianças buscam um novo patamar de independência em relação aos adultos.

Primeiro Plano do Desenvolvimento (0 a 6 anos)

Nesta primeira fase da vida, as crianças têm dois grandes objetivos: aprender como o mundo funciona, para saber como funcionar no mundo [5], e adquirir independência física em relação ao adulto.

Aprender como o mundo funciona quer começa por absorver o mundo, suas imagens, sua linguagem, suas regras e sua cultura, suas leis físicas, químicas e biológicas. Isso não é fácil, e as crianças contam com a enorme capacidade do cérebro infantil de se transformar a cada nova informação. Montessori não podia observar o cérebro, mas observava o comportamento, e sabia que as crianças tinham um tipo de mente muito especial [5]. Chamou-a de “Mente Absorvente”, e com isso explicou como a criança parte do “nada” e chega a construir um ser humano competente e forte em breves seis anos de vida.

A independência física, outro pilar deste primeiro momento do desenvolvimento, pode ser resumida em uma frase, dita pelas crianças: “Me ajuda a fazer sozinho” [6]. Elas querem aprender, mas não querem que os adultos façam as coisas para elas. Querem fazer. É pela ação que elas se constroem e se transformam. As crianças enfrentam as dificuldades e os fracassos das primeiras tentativas e insistem até o sucesso e o aprendizado. Montessori dizia que nunca devemos interromper uma criança em alguma coisa que ela acredita que consegue fazer sozinha, não importa quão lento seja o seu progresso.

Este Primeiro Plano é guiado por Períodos Sensíveis [5]. Ciclos durante os primeiros anos de vida em que o interesse, o foco, e os esforços da criança são direcionados completamente para uma área do desenvolvimento. Há períodos sensíveis para o movimento, a linguagem, os sentidos, a escrita, a matemática… E se a criança tiver liberdade para perseguir seus interesses durante os períodos sensíveis, se desenvolverá com mais facilidade, fluidez, aparentemente sem esforço e os resultados serão muito superiores ao que seriam se os períodos sensíveis fossem ignorados ou suprimidos.

Conforme fazem coisas cada vez mais difíceis, as crianças dominam o mundo mais próximo de si, começam a ansiar pelo mundo desconhecido, e aí chegam à fase seguinte.

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Segundo Plano do Desenvolvimento (6 a 12 anos)

As crianças do Segundo Plano do desenvolvimento já dominaram bastante do mundo mais próximo. Elas sabem cuidar de si, e até conseguem cuidar dos outros e do seu ambiente. A independência física está conquistada o suficiente, e agora elas desejam alcançar outros mundos, que não podem ser tocados [7]. Mundos distantes: outros continentes, o universo, as civilizações do passado, a Terra na época de sua formação e os animais na história de sua evolução.

Sobre as crianças mais novas, do Primeiro Plano, Montessori dizia que suas “mãos são os instrumentos da inteligência humana” [5]. Se é assim, a imaginação é a mão da criança de 6 a 12 anos. É com a imaginação que a criança investiga e compreende os mundos distantes e inatingíveis. Lendo, ouvindo, estudando, imaginando, as crianças conquistam a independência intelectual. Aprendem a pensar sem a ajuda dos adultos [8]. E porque pensamos melhor quando pensamos juntos, essas crianças trabalham melhor quando trabalham em grupo, com uma mediação cada vez menor e mais sutil.

É inevitável que, nessa intensa convivência, problemas morais apareçam, e uma frase importante para as crianças de 6 a 12 anos é “Isso não é justo!”. Se para entender o mundo as crianças precisam fazer perguntas, escutar e contar muitas histórias, para compreender aspectos morais e de convivência, é necessário dar espaço para a análise [9]. Não devemos resolver os problemas delas, e nem é adequado dispensar as crianças diminuindo a importância do que dizem – mesmo quando elas estão questionando os nossos comportamentos. O trabalho do adulto no Segundo Plano do desenvolvimento é dar elementos para a compreensão, e depois permitir a reflexão livre – perguntas, histórias, diálogo e tempo. A socialização fica cada vez mais importante na vida das crianças, até chegarem à adolescência.

Crianças (6 a 12 anos) em uma sala montessoriana discutem fungos.

Terceiro Plano do Desenvolvimento (12 a 18 anos)

Para um adolescente, a parte mais importante do dia a dia é a convivência com outros adolescentes. A independência que estão conquistando é social, eles valorizam a socialização sem a presença ou ajuda do adulto. Ser socialmente independente significa, por um lado, resolver os próprios problemas, sem apego ao ponto de vista que os adultos possam expressar – e às vezes resistindo a esses pontos de vista, como forma de se tornar livre deles. Mas também significa compreender, de forma mais profunda e complexa, como a sociedade funciona: a cidade, a cultura, a ideologia, a economia, a ciência e a política [10, 13].

Para o adolescente, é importante pertencer a um grupo. Ser aceito como é, sem precisar se encaixar [11, 12]. É fundamental que os adolescentes tenham a chance de estudar, trabalhar, conviver em grupo, por longos períodos. Criar ambientes que estimulem a formação de grupos saudáveis é o grande trabalho do adulto para o adolescente. Um grupo saudável é aquele que permite o pertencimento, e que tem uma finalidade que vai além de si mesmo.

O adolescente precisa entender qual é sua função na comunidade a que pertence. A escola, o bairro, a cidade. Por isso, os grupos devem ter uma interação com a comunidade mais ampla. Devem servir a alguma coisa [26]. O adolescente precisa trabalhar, e precisa ser remunerado. A remuneração mais eficaz é a financeira, porque dá a ele algum grau de independência social, mas o trabalho tem uma finalidade mais pedagógica (aprender a trabalhar, a ter colegas e responsabilidades) do que econômica [13], e na eventualidade do trabalho remunerado não ser possível, trabalho voluntário ou mesmo troca de serviços e mercadorias é possível e funciona [25]. Integrado a diversos grupos, e percebendo sua função social, o adolescente chega à idade adulta.

Quarto Plano do Desenvolvimento (18 a 24 anos)

O início da idade adulta ainda é, para Montessori, um plano importante do desenvolvimento. Já fora da escola, na universidade ou no curso de aprendizados que o conduzirão a uma carreira, o adulto busca compreender seu caminho e seu motivo de existir. Montessori tem um termo que nos ajuda aqui, embora ela mesma não o utilize para falar do adulto: Papel Cósmico [14].

Todos os seres têm uma função no equilíbrio cósmico, e não é diferente com os adultos. Todos os adultos exercem alguma atividade que contribui para o delicado tecido cósmico. Na maior parte das vezes, nosso papel cósmico não é o que está escrito em nosso contrato de trabalho. Pode ser que sejamos contratados para ensinar Geografia, mas nossa maior contribuição pode ser o diálogo com os alunos nos corredores, que os ajuda a encontrar um caminho profissional. Podemos ser gerentes de loja, mas nossa maior contribuição pode ser ajudar os clientes a enxergarem o que há de mais belo em seus rostos e corpos. O contrato é nosso papel individual, e é o que garante o sustento de nossas famílias. O papel cósmico é o que garante o equilíbrio de todo o universo.

Todos os adultos têm um papel cósmico, mas ele não pode ser descoberto nos bancos das universidades, e Montessori defendia que desde cedo os adultos trabalhassem [13], como assistentes e aprendizes, para se tornarem hábeis em suas profissões, e para conhecerem o mundo, além das paredes das universidades. Um adulto que pudesse encontrar sua contribuição para o mundo, e se tornar hábil nessa contribuição, sem ceder as tentações do poder e da posse [13], teria encontrado o caminho para criar um mundo “poderoso, rico e puro”, e se saído muito bem em seu desenvolvimento [13].

Cheguei no país com seis anos e imediatamente fui para uma escola Montessori. […] Eu realmente acho que me beneficiei da educação Montessori, que de algumas maneiras dá aos alunos muito mais liberdade para fazer as coisas do seu jeito, e para descobrir. Interessante que meu parceiro Larry Page também tenha ido a um jardim de infância e pré-escola Montessori; é algo que temos em comum. Eu acho mesmo que algum crédito da vontade de ir atrás de seus interesses… você pode ligar isso àquela educação Montessori.

Sergey Brin, Co-Fundador do Google

Princípios do Método Montessori

Maria Montessori nunca definiu um conjunto de princípios para a pedagogia que desenvolveu. Fez listas de características da sala, dos materiais, do professor, das crianças que encontravam seu próprio equilíbrio… Mas não fez uma lista de princípios de sua abordagem pedagógica. A lista que segue tem fins didáticos. A ideia não é reduzir o método Montessori a esses princípios, mas organizar as ideias de Montessori para tornar mais claras as suas descobertas e sua perspectiva educacional. Essa lista não foi criada por mim, mas por Edimara de Lima. Eu a utilizo com poucas modificações até hoje, porque me parece a organização mais abrangente e didática das ideias de Montessori, mas você encontrará outras listas de princípios na internet e em livros, e porque Montessori não estabeleceu uma organização deste tipo para as próprias ideias, listas diferentes não são, necessariamente, mais e menos certas, mas explicações diferentes para o mesmo conteúdo.

Autoeducação

Montessori, a partir da observação do comportamento das crianças em liberdade, chegou à ideia radical de que as crianças são capazes de aprender sozinhas [15, 16]. Todas as crianças aprendem algumas coisas sozinhas: andar, falar, comer, pegar, reconhecer voz e aparência, receber e fazer carinho… Mas em muitos casos, nós não percebemos isso. Em Montessori, nós confiamos na criança. Sabemos que se ela puder contar com o contexto adequado, pode desenvolver quase tudo de forma independente e livre.

Para aprender sozinha, a criança precisa ter a oportunidade de (1) ver outras pessoas, adultos ou crianças, fazendo as coisas; (2) ter a oportunidade de experimentar, tentar, testar, sem ajuda e sem ser interrompida; (3) ter a chance de perceber os próprios erros e os corrigir espontaneamente; (4) superar pequenas dificuldades, uma de cada vez, em um ritmo particular e diferente para cada aprendizado [17].

Porque a Autoeducação acontece assim, e porque esta é a melhor maneira de aprender, o método Montessori inclui materiais específicos, que são feitos para (1) serem manipulados pela criança, (2) trabalharem um novo desafio de cada vez e (3) darem à criança a chance de perceber seus próprios erros [17]. Com liberdade para escolher em que trabalhar a cada momento, e liberdade para repetir quantas vezes quiser cada exercício, a criança se autoeduca constantemente.

Crianças com materiais montessorianos em escolas da Tanzânia e Quênia.
Faça uma doação para os Educadores sem Fronteiras ao final do texto.

Educação Cósmica

As crianças nascem interessadas por tudo ao seu redor, e há muitas formas de manter esse interesse aceso por toda a infância. Uma das mais belas é perceber que todas as coisas estão conectadas e dependem umas das outras para existir [27]. Ter es sa visão do mundo permite à criança desenvolver um senso de gratidão e união para com tudo o que há no mundo e perceber a ordem que existe na natureza e no universo.

Para garantir que isso ocorra, e que o encanto das crianças pelo conhecimento e pelo mundo se mantenha vivo, a educação das crianças de 6 a 12 anos é baseada em perguntas, histórias e pesquisas que seguem a curiosidade da criança [7]. Mesmo respeitando o currículo oficial, é possível permitir a expansão da curiosidade e dos interesses das crianças, desde muito cedo, e alimentar a percepção de que tudo pode ser descoberto, compreendido, e de que todas as coisas são interessantes, se olharmos para elas do ângulo certo.

A Educação Cósmica busca oferecer à criança a Visão Cósmica do mundo [14]. Cosmos, o oposto de caos, é a ordem do universo. Um importante divulgador de ciências dizia que “se você quiser fazer uma torta de maçã do zero, primeiro precisa criar o universo”[28]. Dar à torta de maçã um sabor de estrelas é a função da Educação Cósmica.

Educação como Ciência

A maior parte da educação das crianças é baseada em crenças e experiências individuais. Educo meus filhos e meus alunos como meus pais e meus professores educaram a mim. Faço as coisas como faço porque acho que isso funciona. Acho que a família e a escola devem ser organizar de um jeito, e não de outro, porque acredito em algumas coisas, e não em outras.

Particularmente, a estrutura de escola que temos hoje deriva de um conjunto de crenças e modos de agir do meio do século XVIII, a época da Revolução Industrial: filas de cadeiras, o mesmo conteúdo, ao mesmo tempo, para todo mundo, imobilidade e submissão dos alunos, e prêmios e castigos como forma de disciplina.

Quando Montessori começou a trabalhar com as crianças de São Lourenço, já sabia que essa abordagem não era a melhor. Mas em lugar de estabelecer uma nova pedagogia, de acordo com suas próprias crenças, ela escolheu deixar um grupo de crianças em liberdade, em um ambiente semiestruturado, e observar seu comportamento, para depois pensar uma educação que não partisse das crenças do adulto, mas do desenvolvimento natural das crianças [17].

É assim até hoje: nas casas e escolas montessorianas, antes de decidirmos fazer qualquer coisa importante (desde apresentar um material novo, até interrompermos o que parece ser uma má ação da criança), nós paramos e observamos, para tentar compreender quais as necessidades reais da criança e qual a melhor abordagem a adotar, com cada criança, a cada momento [15].

É isso que faz do método Montessori uma abordagem pedagógica que dá às crianças a chance de atingirem um excelente desempenho acadêmico [18]e, ao mesmo tempo, usufruírem de um grande prazer enquanto estão na escola [19], inclusive e especialmente durante tarefas acadêmicas desafiadoras.

Ambiente Preparado

Para o método Montessori, liberdade é algo muito importante. A criança deve ter uma liberdade que é biológica [20], porque deixa a vida se desenvolver. Assim como uma árvore é livre quando está em uma terra fértil, úmida e profunda, a criança também precisa de um ambiente preparado, seguro, e com nutrientes (físicos, emocionais, mentais e sociais) para que possa ser livre para viver.

Existem algumas condições para que o ambiente dê liberdade à criança. A primeira é que tudo o que é importante seja acessível. Primeiro, o mais básico: a criança precisa ter uma forma de beber água, comer, usar o banheiro e dormir, sem precisar de autorização ou de ajuda do adulto. Depois, o resto: a criança precisa viver sem ajuda e autorização do adulto. Então o mundo deve ser preparado para ela. Ou a gente abaixa as coisas, como se faz na escola montessoriana, onde tudo fica à altura dos pequenos, ou a gente dá um banquinho para a criança, de forma que ela possa acessar as coisas que não podem ser adaptadas, como a pia de casa, por exemplo.

O ambiente tem outras características: não deve ser hiperestimulante. O mundo todo é estimulante para a criança, então os ambientes que a gente pode controlar devem ser tranquilos, pintados de cores claras e neutras, e a mobília da criança deve ser assim também. Pelo mesmo motivo, não é necessário nem positivo que a criança tenha brinquedos demais. Ela pode ter poucos e bons, e ter acesso a todo o resto da casa, o que diminui muito a necessidade de ter pilhas e mais pilhas de brinquedos ruins. Finalmente, tudo no ambiente deve servir para a atividade das crianças: não só as folhas de papel preparadas pelo professor, mas todos os materiais, toda a mobília, todos os objetos de decoração. Tudo pode ser cuidado, lustrado, polido, lavado, limpo, reparado, organizado e protegido pela criança [17]. Assim, existindo no mundo, em liberdade, as crianças podem finalmente viver sua vida completa, e respirar a liberdade.

Adulto Preparado

Todos os outros princípios só funcionam quando o adulto que interage com a criança se esforça para se transformar interiormente. Montessori dizia que precisávamos abandonar o orgulho de sermos adultos, e a ira contra a criança que não comporta das formas que são mais cômodas para nós [23]. É necessário que o adulto passe pela constante humilhação de respeitar a criança em todas as suas necessidades – e é claro que aos poucos deixamos de nos sentir humilhados, mas precisamos atravessar o pântano do respeito pela criança para descobrirmos a luz do outro lado. Desde o início, precisamos contar com “uma forma de fé, de que a criança irá se revelar por meio do trabalho”[21].

Se por um lado, a preparação do adulto é profunda, psicológica, quase espiritual, por outro ela também é exigente na técnica. O adulto preparado é um observador que confia na criança e busca nos atos dela as indicações de suas necessidades [15]. Com a observação realizada, pela configuração do ambiente e pelas interações, esse mesmo adulto tenta oferecer os meios para que a criança satisfaça aquilo que é importante e supere aquilo que ainda é um desafio ou um obstáculo.

Esse adulto nunca ajuda mais do que o mínimo necessário, abstém-se de colaborar sempre que a criança acredita que pode agir sozinha e garante, a todo momento, que sua presença possa ser sentida caso seja necessária [22]. A alegria deste adulto é dupla: ser cada vez menos necessário, e ter a chance de observar a vida se desenvolvendo.

Criança Equilibrada

Quando as crianças são bem pequenas, seu pensamento e suas ações andam juntos. Mente e corpo, ou, nas palavras de Montessori [5], vontade e ação. Quando um bebê chacoalha um chocalho, não faz isso pensando no passeio que vai dar à tarde, ele está inteiro com o chocalho, mente e corpo, vontade e ação. Mas quando as crianças crescem e tentam fazer coisas mais complexas do que usar um chocalho, nós temos medo. Impedimos que elas subam escadas, ajudamos quando vão abrir uma gaveta, interrompemos quando elas passam tempo demais lavando as mãos. Isso, aos poucos, produz uma separação entre a vontade, que fica na escada, querendo subir, e a ação, que fica na frente da televisão, assistindo um desenho, porque foi lá que nós achamos seguro colocar a criança.

Essa separação da vontade e da ação produz instabilidades de todo tipo no desenvolvimento da criança. Ela pode ficar com os movimentos desordenados, irritável, agitada, ou pelo contrário, letárgica, desinteressada de tudo, submissa. As duas coisas são desvios em relação ao desenvolvimento que ocorreria se a criança tivesse a liberdade biológica para se desenvolver plenamente [23]. Mas há caminhos para retornar a um curso mais equilibrado de desenvolvimento, e a criança faz isso quando se empenha, com concentração e alegria, em atividades interessantes e desafiadoras que exijam movimento do corpo e aperfeiçoamento inteligente das ações realizadas.

Em Montessori, chamamos esse tipo de atividade de “trabalho” [23]. A primeira função do trabalho é ajudar a criança a alcançar a concentração. Quando a mente e o corpo (vontade e ação) retornam a um só centro, todos os desequilíbrios diminuem, e muitos desaparecem, conduzindo a criança a um estado mental que envolve concentração e alegria, e conduz à independência, iniciativa, autodisciplina, generosidade, prazer pelo esforço e confiança em si mesma [23, 29]. Há pelo menos dois ou três nomes para este processo na obra de Maria Montessori, como normalização e conversão [2]. No Lar Montessori, opto por utilizar “Equilíbrio”.


Como Funciona uma Escola Montessoriana

É muito difícil fazer uma descrição que capte todo o encanto de uma sala montessoriana em funcionamento. Por isso, antes da explicação técnica a seguir, Assista ao vídeo abaixo, que mostra algumas salas montessorianas. Se quiser, há também vídeos de crianças mais novas e mais velhas, a seguir:

Ambientes Montessorianos
Montessori para Crianças de 0 a 3 anos.
Montessori para Adolescentes

Características de uma Escola Montessoriana

Há muitas listas de características de uma escola montessoriana. A que segue [24] foi feita em uma colaboração das duas maiores organizações montessorianas do mundo: A Associação Montessori Internacional e a American Montessori Society. A lista é distribuída pela Iniciativa de Políticas Públicas para Montessori – EUA (veja a original aqui e nossa tradução completa aqui).

As Características Essenciais de uma Escola Montessori são:

  1. Implementar um currículo Montessori que deve incluir:
    1. Um projeto de sala de aula que seja compatível com os princípios do “ambiente preparado” montessoriano.
    2. Um conjunto completo de materiais montessorianos para cada sala e grupo etário.
    3. Períodos diários de trabalho ininterrupto, idealmente com períodos de trabalho de três horas.
    4. Ensino caracterizado por um alto grau de liberdade concedida aos alunos, para que escolham em que trabalhar, onde trabalhar, por quanto tempo trabalhar.
    5. Ensino que aconteça principalmente em pequenos grupos (Ensino Fundamental) ou individualmente (Educação Infantil).
  2. Ter profissionais de educação adequadamente formados, o que se define por:
    1. Ter um professor principal em cada sala com uma credencial de formação de professores no nível com que trabalha, emitido por: AMI, AMS, NCME e/ou MACTE.
    2. Ter membros da equipe envolvidos em constante desenvolvimento profissional em Montessori.
  3. Possuir salas com:
    1. Os agrupamentos etários adequados: 2,5/3-6, 6-9, 9-12, ou 6-12 anos de idade. Crianças de recém nascidas até os três anos de idade e de 12 a 18 anos podem ser agrupadas por diversas configurações etárias.
    2. Tamanhos de sala e relações criança/adulto que se alinhem com os princípios montessorianos. Os padrões montessorianos de sala de aula requerem ambientes de tamanhos maiores e relações de alunos por professor maiores do que o que geralmente se vê em salas tradicionais. Adicionar professores a uma sala de três a seis anos pode interferir com, mais do que encorajar, o aprendizado dirigido pelas crianças. Não seria incomum ver trinta ou mais crianças em uma sala de Educação Infantil ou Ensino Fundamental.
  4. Avaliar o progresso dos estudantes por meio de:
    1. Observações dos professores.
    2. Registros detalhados.

Amigos na Índia me pedem para imitar você. Eu digo a eles: não, eu não devo imitar você, mas incorporar você, e a verdade fundamental que subjaz ao seu método.

Mahatma Gandhi, em entrevista com Montessori.

Para Estudar Mais

Se você achou interessante o que leu até aqui, veja algumas opções para se aprofundar:

Blog – Mais de 300 textos sobre dezenas de temas para você estudar onde e quando quiser.


Livros

Se quiser ler sobre o método Montessori, sugiro começar por:

  1. Método Montessori: Uma introdução para pais e professores (Paula Lillard, Ed. Manole)
  2. O Segredo da Infância (Maria Montessori, Ed. Kírion) [Título anterior: A Criança]
  3. Mente Absorvente (Maria Montessori, Ed. Portugália ou Nórdica)
  4. A Descoberta da Criança: Pedagogia Científica (Ed. Kírion) [Título anterior: Pedagogia Científica]
  5. O Método Montessori na Educação dos Filhos (Tim Seldin, Ed. Manole)
  6. Formação do Homem (Maria Montessori, Ed. Manole)

Depois dos primeiros três ou quatro livros, você conhecerá o suficiente para escolher suas próximas leituras em qualquer ordem.


Referências

[1] Lillard, L. Montessori: The Science Behind the Genius. Oxford Univ. Press, 2018.

[2] Trabalzini, P. Maria Montessori: Through the Seasons of the Method, The NAMTA Journal, Vol. 36, No. 2, Spring 2011.

[3] Kramer, R. Maria Montessori: A Biography. De Capo Press, 1988.

[4] Montessori, M. Formação do Homem. Kirion, 2019

[5] Montessori, M. Mente Absorvente. Portugália/Nórdica.

[6] Shields, J. “Help Me to Help Myself”: Independence and the Montessori Philosophy. Montessori Guide, AMI/USA, 2014. Disponível em: https://montessoriguide.org/help-me-to-help-myself

[7] Lillard, P. Montessori Today: A Comprehensive Approach to Education from Birth to Adulthood. Schocken Books Inc, 1996

[8] Montessori, M. Para Educar o Potencial Humano. Papirus, 2014.

[9] Goertz, D. Children Who Are Not Yet Peaceful: Preventing Exclusion in the Early Elementary Classroom. Frog in Well, 2001.

[10] Kahn, David. Montessori Erdkinder: The Social Evolution of the Little Community. 25th International Montessori Congress Papers, 2005.

[11] Donahoe, Marta. Where is Everybody: Valorization in a World that Could Be. Montessori Life, volume 20, number 3, 2008.

[12] Brown, B. Braving the Wilderness: The Quest for True Belonging and the Courage to Stand Alone. Random House, 2017.

[13] Montessori, M. Erdkinder and the Functions of the University. Publicado como apêndice do livro MONTESSORI, M. Da infância à adolescência. Rio de Janeiro: ZTG, 2005.

[14] Grazzini, C. A Visão cósmica: O plano cósmico, e a Educação Cósmica de Maria Montessori. The NAMTA Journal, Vol. 38, No. 1, Winter 2013. Disponível em português em: http://omb.org.br/wp-content/uploads/2016/04/A-visa–o-co–smica-o-plano-co–smico-e-a-educac–a–om-co–smica-segundo-Montessori.pdf

[15] Montessori, M. Spontaneous Activity in Education – Advanced Montessori Method, V.1. Frederick A. Stokes Co., 1917.

[16] Montessori, M. Creative Development in the Child. Kalakshetra, 1994.

[17] Montessori, M. A Descoberta da Criança: Pedagogia Científica. Kírion, 2017.

[18] Lillard, A. Evaluating Montessori Education. Science 29 Sep 2006, Vol. 313, Issue 5795, pp. 1893-1894 DOI: 10.1126/science.1132362

[19] Lillard, A. Montessori Preschool Elevates and Equalizes Child Outcomes: A Longitudinal Study. Front. Psychol., 30 October 2017 | https://doi.org/10.3389/fpsyg.2017.01783

[20] Montessori, M. The 1913 Rome Lectures. Montessori-Pierson Publishing Company, 2013.

[21] Montessori, M. Educação para um Novo Mundo. Comenius, 2014.

[22] Montessori, M. A Decalogue. AMI Journal 1992/1.

[23] Montessori, M. O Segredo da Infância. Kírion, 2019.

[24] MPPI. Montessori Essentials. Montessori Public Policy Initiative, 2015. Disponível aqui: https://www.montessoripublicpolicy.org/resources

[25] Donahoe, M. Liberty and Hope for the Adolescent: Valorization of the Personality. Clark Montessori Newsletter, Spring 2009. Disponível em: https://cmstep.com/articles/

[26] Donahoe, M. Widening the Circle. Montessori Life, volume 18, number 2, 2006.

[27] Haines, A. Strategies to Support Concentration. The NAMTA Journal, Vol. 42, No. 2, Spring 2017.

[28] Sagan, C. Cosmos – Episode 9 – The Lives of The Stars. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=6PHO2DZN30k

[29] Standing, E. M.. Maria Montessori: Her Life and Work. Signet, 1962.

Esta é uma nova versão do texto sobre o método Montessori neste site. Para acessar a versão antiga, clique aqui.


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