Aluno: origina-se de palavra latina significando aquele que é alimentado, a partir do significado mais material de criança de peito. A etimologia que trata aluno como o sem luz é falsa, e dá lugar a esta, mais verdadeira e mais bela.
Criança: origina-se também no latim, em creare, e significa aquele que cria. Nenhuma outra etimologia é apontada para esta palavra, a princípio.
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Todas as crianças devem ser alunas. E todos os alunos devem ter a imensa oportunidade de serem crianças. Isto significa, de forma belíssima, que todos os que têm como papel mais fundamental a criação da humanidade devem ser prontamente atendidos em todas as suas necessidades fundamentais – e também quer dizer que todos aqueles que são atendidos em suas necessidades fundamentais devem ter a oportunidade de criar a humanidade. Parece imenso, mas é simples.
Montessori tinha uma metáfora fantástica para tratar deste assunto. Imaginemos o jardim de um príncipe riquíssimo e amante da botânica. Por certo, prezaria por suas flores. Tomemos agora a figura da flor mais bela deste jardim, que deveria ser também a mais querida do príncipe e a mais preciosa aos jardineiros. Se tentarmos listar os cuidados dispensados a ela lembraremos de itens tais quais: água, adubo, terra fofa, quantidade certa de Sol e liberdade de pragas.
Os mesmos cuidados, diz Montessori, que o próprio príncipe receberia quando criança. E que incrível! A planta é um simples vegetal, enquanto que o príncipe é uma das pessoas mais importantes do reino. Mas é assim, muitas vezes, que tratamos nossas crianças, e é aí que se faz importante diferenciá-las de alunos.
O aluno, em primeira instância, é como a flor, precisa ser alimentado. A ele se dá comida, abrigo, hidratação, instrução, sono, conforto material. Na melhor das hipóteses, este aluno é como a mais bela flor do jardim, e recebe tudo em abundância, não lhe faltando nada e nada lhe fazendo mal. Ainda assim, no entanto, é como a flor. Se fica doente, alguém o monitora e cuida, se torna-se fraco, alguém o apoia e ajuda. Mas ainda é como a flor.
Que irônico é pensar, afirma Montessori, que quando dizemos que alguém “vegeta”, estamos dizendo que a esta pessoa há poucas possibilidades, que a ela falta a possibilidade de movimento e expressão. E no entanto, tratamos nossas crianças como vegetais. De outra forma, poderíamos dizer que tratamos nossas crianças como alunos.
Tudo o que faz o método Montessori é tratar a criança como criança, ou tratar a criança como aquele que cria. E que cria as mais belas e complexas obras possíveis: a humanidade e a civilização.
A perspectiva montessoriana sobre a infância é bastante específica: vêmo-la como a fase do desenvolvimento do indivíduo na qual ele ainda não é capaz de criar para fora (infante, em seu significado primeiro, era aquele que não fala), porque precisa concentrar todos os seus esforços em um tipo de criação muito superior, que se dá de fora para dentro e pode ser compreendido como a formação da personalidade, ou mesmo o desenvolvimento neurológico necessário à vida, a criação de conexões fundamentais para o bem viver posterior.
Por isso, se faz aqui uma distinção fundamental entre aluno e criança. Tratam-se não de duas categorias antagônicas, mas de dois aspectos sobre o indivíduo que devem ser tomados sempre em conjunto. Um deles trata do que nós devemos proporcionar à criança e responde muito ao que usualmente consideramos serem os direitos fundamentais da infância: alimento, casa, proteção, saúde, educação formal de acordo com um currículo estabelecido. Fazer isso é considerar a criança um aluno – ou uma planta – e atender a suas necessidades mais objetivas.
O outro aspecto extrapola o primeiro, mas só o faz se o primeiro receber atenção. Conforme alimentamos a criança de todas as maneiras, é preciso dar a ela o alimento da maneira correta, e permitir que fique sozinha com ele, sem nossa interferência, para que possa criar.
É isso que fazemos quando, adaptando todo o ambiente e ensinando os pequenos a utilizá-lo, deixamos que as crianças o explorem livremente. Primeiro, damos o alimento: a adaptação do ambiente e a instrução. Depois, permitimos a liberdade necessária à criação. Esta criação será de estratégias de utilização do ambiente, de força para movimentar-se, de conhecimento. Não é algo em que possamos ajudar diretamente, e por isso a criança deve ficar sozinha.
Enquanto consideramos a criança só como aluno, todos os deveres são nossos e seu aprendizado depende de nossa instrução. Quando a consideramos como criança, seu aprendizado depende de sua atividade e dos recursos colocados à sua disposição – recursos estes que ela precisa ter aprendido a utilizar antes. Dou um exemplo: o ato de comer, em si, pode ser um grande aprendizado, pois une a manipulação dos talheres, a seleção dos alimentos, a coordenação olhos-mãos, a mastigação e tantas outras pequenas coisas. Cada uma dessas ações, no entanto, precisa ser aprendida em separado aos poucos, para que comer sozinha seja uma atividade proveitosa para a criança.
Considerar a criança como criança é considerá-la artista: é necessário que saiba usar suas tintas, que conheça seus tons e nuanças, é fundamental que conheça os pincéis e cada diferente tipo de tela. É fundamental que em alguns momentos seja aluna, seja alimentada. Depois, é fundamental que possa ficar sozinha, que seu tempo seja completamente respeitado e que o imenso trabalho de criação se revele a partir dos esforços mentais e físicos de que ela mesma seja capaz.
É necessário que todas as crianças sejam alunas, mas em seguida, é de absoluta importância para a evolução da civilização que todos os alunos possam ser crianças. E a nossa tarefa é a de notar, na criança, quando é necessário ser aluno, e perceber no aluno o momento exato de lhe dar a liberdade necessária para ser criança.
Lindo texto Gabriel! Texto para ler seguidamente para nunca esquecer! E é isto que estou fazendo hoje, relendo os teus textos…neste domingo chuvoso e frio do Rio Grande do Sul!
Obrigada pela dedicação!
Daqui, estou semeando Montessori…. e adubando a mais linda flor do jardim de cada família!
Abraço
Claudia
Casa Escola Dei Bambini – Farroupilha/RS
Perfeito texto, realmente digno de e reflexão diária!!