A Casa Viva

Maria Montessori disse que eles, italianos, elevaram a palavra casa ao sentido belo de lar, e por querer oferecer um verdadeiro lar às crianças da vizinhança de São Lourenço é que ela chamou seu grande trabalho pedagógico de Lar das Crianças (Casa dei Bambini, em italiano) – é por isso que o Lar Montessori se chama Lar Montessori, inclusive.

A sensação de lar que Montessori tentou criar em seu espaço funcionou. Era uma escola, mas soava tanto como uma casa que essas crianças voltaram para suas famílias e revolucionaram os locais onde moravam: as janelas ganharam flores, cortinas, limpeza, a casa toda ganhou organização, higiene e cuidado, as mesas ganharam toalhas e o ambiente ganhou delicadeza e atenção – minha vontade é escrever afeto, parece-me a palavra certa. As casas das crianças se transformaram em lares, depois de uma escola que nasceu como um lar.

Muitos anos depois, as escolas montessorianas nem sempre têm total sucesso na transposição da sensação de lar para seus ambientes. É difícil mesmo. Exige uma atenção, um afeto e, escutei essa palavra há alguns dias de uma professora montessoriana, uma apropriação do ambiente de trabalho para o adulto que é desafiadora. É necessário abraçar o ambiente com o som do seu próprio coração para fazer de paredes nuas um lar afetuoso, aconchegante e belo. É difícil superar a técnica Montessori e chegar a um Lar das Crianças.

Mas se isso é de fundamental importância na escola, isso tem ainda mais importância em casa, em nossos redutos de segurança, de amor, de família. Esse texto tem um só objetivo: ajudar você a soprar vida nos contornos da sua casa, e trazer a ela ação, beleza, verdade.

Vamos entrar, pela sala. Aqui temos dois pequenos vasos de flores, um em cada aparador, veem? As folhas estão frescas e viçosas, porque as raízes recebem água quase diariamente. Uma delas está em flor, porque é primavera e ela fica perto da janela que dá para a varanda, pegando mais luz do sol. Há o sofá, e há uma televisão, vejam só! Mas ela não está ligada. Fica assim quase o dia todo, menos colorida, menos viva e menos chamativa do que os dois vasos de flores (neles, de vez em quando, a gente até encontra um ou outro bichinho bem pequeno andando pelas folhas).

A TV é tão cinza que nem nos importa, e notamos rapidamente que há, ali, abaixo dela, três enfeites de mesa. Nitidamente, eles foram escolhidos com cuidado. Um é uma matrioska, aquelas bonecas russas com outras bonecas dentro, que encantam todas as idades pela delicadeza belíssima da pintura, e pela infinitude do seu interior, aquela ordem tão bela do menor que pode ser menor ainda.

Há outros dois ainda. Uma ampulheta de vidro com areia cor-de-rosa dentro, bem fina. A armação da ampulheta é forte, bonita, e ela não é muito leve. Não foi feita para ser transportada, mas para ser vista e, no máximo, invertida. A matrioska traz a beleza do espaço, e a ampulheta a beleza do tempo. É lindo, não é? Mas não é só. Há um globo também, de pedra, principalmente em pedra azul, claro, mas com pedrinhas menores para os países – pedrinhas minúsculas para todos as nações europeias. Minúsculas. Alguém tomou o cuidado de colocar uma pequena toalha rendada debaixo de cada enfeite, indicando onde eles devem ficar… Quanto cuidado!

Aqui ao lado, na varanda, reparamos em quatro vasos, percebem? Dois deles são compridos, são floreiras, com temperos. Outros dois parecem ornamentais, com folhas de tons belíssimos amarelo, vermelho, verde claro e escuro. Na verdade há mais dois vasos, mas neles não há plantas, só terra. Dá para ver que é terra fresca, regada, talvez tenham sementes. Não temos certeza. Também dá para ver que os vasos de temperos são cuidados, há até plaquinhas! Vejam, de cada lado uma cor. Talvez sirvam para indicar se as plantas já foram regadas naquele dia, ou não. Mas está bem, já vimos o suficiente da sala, vamos à cozinha.

É claro, quando entramos, que vive gente aqui. Produtos de ação humana estão por todos os cantos: em uma vasilha de cerâmica – ela é pintada, e com flores delicadas! – há biscoitos assados em casa (são irregulares, talvez uma criança tenha ajudado) e ao lado um pote com tampa guarda pedaços cortados de frutas. Notamos um copo com um fundinho de água ao lado de uma jarra com água até a metade, e vemos que na porta da geladeira há lembretes no alto, e alguns lembretes baixinhos, com figuras. Dentro da geladeira, é claro, também há vida. É de uma Casa Viva que falamos.

Abrimos e vemos: na porta, maços de temperos frescos em copos com água, alguns potes de vidro com restos de molhos ou acompanhamentos, e garrafas de suco ou água. Nas prateleiras nos surpreendemos: parece que alguém aqui se importa com a vida. Há industrializados, mas quase toda a geladeira é tomada por cores vivas de coisas que não vêm em embalagens. Lá embaixo, reparamos, há quase que uma cópia em tamanho menor do que está acima: uma pequena manteigueira com um pedaço de manteiga, quatro frutas, uma jarrinha pequena com suco, uma vasilha metálica com meio pepino, um tomate, algumas folhas de alface e meia cenoura, e fatias de queijo num outro potinho (plástico, aqui). Não vimos antes, mas vemos agora: ao lado daqueles pedaços de frutas que estavam fora da geladeira há uma tábua de cortar de um palmo e meio, uma faca simples, pequena, dois pratos limpos e um avental. Parece que a vida nessa casa não começa a um metro e meio do chão… Ela existe mesmo lá embaixo.

Quando seguimos pelo corredor que vai dar nos quartos, reparamos – que interessante! – que há algumas fotos de família penduradas na parede… à altura de nossas cinturas! Precisamos ajoelhar para ver. Não sabemos se as fotos ou os porta-retratos são mais bonitos… Parece que essa casa foi feita para gente muito pequena, quem sabe até por gente muito pequena, e muito caprichosa. Mas chegamos ao quarto.

Esse sim é feito para gente pequena. Integralmente. Tem uma cama, que fica a um canto do quarto, mas ela quase não é uma cama. É um colchão, assim, simples mesmo. Não tem cerquinha, proteção, nada. Até parece que quem dorme ali é livre! Livre para aprender a não cair, inclusive.

De resto é um quarto comum. Sem muito o que descrever. Paredes quase nuas, com duas fotografias muito bonitas, um desenho lindíssimo de um grande besouro, e só. De mobília, mesmo, há o guarda-roupa, com duas pilhas pequenas de roupas no alto, e umas seis ou sete peças de roupa em duas gavetas, dispostas de forma bem visível. Estamos acabando nossa visita com a impressão de que aqui mora alguém prático, também.

Por último, vemos que há também uma prateleira com objetos interessantes. Parecem brinquedos, mas talvez não o sejam exatamente. Esse capricho é raro em brinquedos… Talvez sejam objetos de estudo. São bonitos, de cores brilhantes, mas cuidadosamente escolhidas. E aqui também encontramos dois vasos com plantas muito vivas.

Nossa exploração chega ao fim. Vamos embora pelo corredor com fotografias baixinhas, fechamos a porta da varanda com os vasos lá fora, e damos uma última olhada na matrioska, nos vasos aqui de dentro e na ordem geral da casa. Há sempre poucas coisas, muita luz, ar… há na casa toda uma impressão de que é possível crescer aqui. Hoje, a única casa que conseguimos visitar foi um pequeno apartamento. Mas sabemos que é possível viver assim em qualquer lugar.

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