Paz I – Fala Pacífica

Comunicamos muito. Comunicamos verdadeiramente o tempo todo. Algumas vezes usando as cordas vocais ou sinais das mãos. Algumas digitando. Lendo, escrevendo, tirando fotos. Comunicamos demais. E fazêmo-lo bastante com as crianças também. Sendo uma de nossas ações mais frequentes, a comunicação é a fonte de muitos de nossos afetos, é o que garante as relações que mantemos com nossos pares, é o que sustenta a socialização, e, infelizmente, é o que gera as guerras. Mas felizmente, é o que pode gerar a paz. Há formas de falar com a criança que garantem paz, garantem bem estar, exprimem respeito e reverência. São essas as formas que investigaremos aqui.

Fala Pacífica

O modo de falar pacífico é na verdade óbvio, e pode ser descoberto por cada um de nós, isoladamente, sem muito do auxílio de um texto. Feche seus olhos e imagine uma fala de paz. Deverá vir à sua mente uma voz talvez conhecida, em um ritmo e volume que serão associados diretamente a uma sensação interna de tranquilidade e de certeza de que está tudo bem. Essa fala tem algumas características e, de forma interessante, se assemelha muitíssimo à forma de dizer aconselhada por Montessori aqueles que lidam com a Criança.

Imagine-se por um momento descobrindo uma trilha na floresta, sendo guiado por alguém de sua confiança.

Se o seu guia fala muito alto, ele não permite que você preste atenção ao caminho. É importante que ele fale em um volume que permita a você reconhecer o som das folhas e dos galhos se movendo ao vento, o som das águas correndo entre pedras, dos animais caminhando, pulando e cantando nos galhos. Falar muito alto distrai você, monopoliza sua atenção para o guia e, depois de algum tempo, sequer há trilha à sua volta, você só percebe a fala dele à sua frente.

Com a criança funciona do mesmo jeito. Se falamos muito alto, tiramos dela a chance de apreciar os outros sons do mundo. De uma maneira ou de outra, nos colocamos acima do mundo que a cerca e trazemos toda sua atenção para nós. Por isso, em Montessori, falamos baixo (1). Quando não estamos ensinando nada à criança, falamos baixo perto dela para não atrapalhar seus esforços individuais. E quando estamos ensinando algo, falamos baixo e falamos pouco, para que ela fique atenta à informação principal e, se for o caso, às ações de nossas mãos, muitas vezes mais importantes do que os sons de nossa boca.

Ainda quanto ao guia, lhe agradaria se ele falasse sempre de forma tranquila (2), certamente. O sossego na voz nos dá a certeza de que está tudo bem e de que podemos estar seguros quanto à pessoa em quem confiamos. Quando alteramos nossa voz com as crianças, na escola, em casa, e em espaços públicos, denunciamos nosso próprio desequilíbrio – que existe, a criança sabe que existe, e tudo bem também. Entretanto, é bom que ela saiba que não é um copo quebrando (e portanto sua falta de segurança motora), ou um choro longo (e portanto seu desespero emocional), ou um atraso para a escola (e portanto seu ritmo natural, diferente do nosso) que provocam abalos sísmicos em nossas emoções. Deixemos o desequilíbrio para situações nas quais de fato não consigamos nos manter estruturados. Nas outras, no dia a dia, a voz tranquila é o sinal de que vamos dar um jeito, de que os adultos estão aí para ajudar.

Já falamos em outros textos sobre a necessidade de uma fala clara (3), bem articulada. Especialmente para a criança pequena, isso importa para a aquisição de vocabulário. Falar de forma bastante clara é nitidamente de auxílio para a compreensão da criança e para a vocalização posterior dos termos que você usou. Ela te entende melhor e consegue incorporar palavras e estruturas de frases que você usa.

Quando falamos, enfim, com a criança, precisamos respeitar suas necessidades mais básicas, para que a comunicação funcione. Por isso, é importante falar pausadamente (4), dando tempo para a criança processar (exatamente como você gostaria que seu guia fizesse, se houvesse um tronco, uma cobra ou uma teia de aranha em seu caminho. Você gostaria que ele avisasse antes e devagar). Caso contrário, exatamente como aconteceria na trilha, a criança tropeça. Ela não consegue fazer exatamente o que esperávamos, ela se atrapalha. Falar uma vez, claramente. Esperar. Repetir apontando com a mão, se possível. Esperar. Geralmente, uma fala e uma repetição, com ritmo pausado, resolvem muita coisa.

Alguém disse que noventa porcento dos problemas da humanidade são problemas de comunicação. E parece bem verdade. Falássemos mais lentamente uns com os outros, sem o rodamoinho de mensagens, falas, músicas, anúncios em que vivemos, possivelmente teríamos uma vida com uma quantidade de mal-entendidos muito menor. Também por isso é tão importante que falemos com a criança de forma pacífica. Ela previne conflitos. Não é possível brigar com ninguém falando de forma tranquila, clara, pausada e baixa. Falar devagar nos dá o tempo necessário para pensar no que estamos dizendo, e ter de manter a voz tranquila, baixa e clara nos faz falar mais devagar. Assim, portanto, se garante menos problemas em casa, menos problemas de comunicação e, por que dizer diferente, menos problemas para a humanidade.

É um desafio, e ninguém discorda disso. É um dos maiores desafios que encontramos ao entrar em sala de aula, e não resta dúvidas de que em casa serão necessárias repetidas tentativas. Mesmo assim, vale a pena. Você terá um lar mais tranquilo, emocionalmente mais seguro, com um nível de tensão muito reduzido e, vale dizer, uma criança que fala baixo, grita pouco e tem prazer em uma comunicação que, se é admirável em adultos, é ainda mais bela vista entre os pequenos líderes da civilização.

Disciplina, Paz

6 comentários

  1. olá.Poderia indicar alguma literatura sobre o assunto.No dia a dia penso que não é fácil.Mas precisamos de guia para esse exercicio.

    1. Sim, Alexandra! O livro “Como Falar para seu Filho Ouvir e Como Ouvir para seu Filho Falar” é uma referência excelente, que você pode usar. Esse texto não foi escrito com base no livro, mas indicamos o livro tranquilamente.

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