Na Direção da Eternidade – Primeiros Passos em Montessori em Casa

Talvez você já tenha ouvido falar de Montessori, e talvez tenha ouvido falar dos resultados incríveis de Montessori: a tranquilidade, a independência, a concentração, o silêncio, a liberdade, a vida. Mas Montessori é um processo, quase infinito de fato, e é preciso começar por algum lugar. Há, basicamente, três lugares para começar: mudando nosso olhar sobre a criança, mudando o ambiente onde a criança vive e mudando nosso comportamento para com a criança. Ciclicamente.

Nosso olhar

Culturalmente, olhamos para a criança inferiorizando-a. Isso aparece bem evidentemente na fala do adulto: “Não aja assim, você não é mais criança!”, “Você parece criança! Tenha dó!”, e o mais comum de todos para educadores da infância: “Puxa, você deve ter paciência!”. Em Montessori, olhamos a criança de outra maneira, para nós a criança é nobre, ela é a construtora da humanidade, é graças à criança que existimos e só graças a ela que o futuro humano existirá. Ela guarda as chaves da vida, e deve ser vista assim. A criança precisa ser vista como um ser cuja principal tarefa no mundo é a conquista de independência e o desenvolvimento da concentração.

Devemos aprender a ver a criança como nossa redentora. Ela nos perdoa todos os erros, ama-nos apesar de todos as nossas falhas. A criança nos indica com suas atitudes os melhores caminhos da vida: atenção plena ao momento presente, interesse pelo mundo que a cerca, concentração total em cada pequeno detalhe do ambiente, carinho e confiança, renovação e paz. A criança indica ao adulto em que ele pode se tornar se desejar ser melhor.

A criança é a fonte do amor humano. Não há adulto que não fique mais leve, mais pleno, mas sabedor de sua vida no tempo ao assistir uma criança agindo feliz no mundo – todos nós sorrimos, porque a criança faz nascer a alegria e o contentamento. Eles brotam da criança, como a água das pedras, e vêm a nós descendo, e não subindo, a partir do olimpo onde habita o Dia de Amanhã.

Não devemos olhar a criança como um ser que precisa ser disciplinado, limitado, violentado, castigado ou humilhado. Mas como alguém que precisa de nossa observação, nossa esperança, , cuidado e ajuda. Observar a criança é fundamental, todos os dias. Só assim poderemos perceber de que ela precisa, o que a frustra, quão justas são suas enfáticas objeções. Só pela observação seremos capazes de agir com ela de forma a estabelecer a paz e a vida em nossas relações. Olhar para a criança com atenção é o primeiro passo para percebermos suas necessidades verdadeiras e sua nobreza, a profundidade de sua magnificência.

O Ambiente onde a Criança Vive

Se queremos salvar animais da extinção, criamos reservas florestais e cuidamos, para que elas se tornem santuários de vida a transbordar. Se queremos compreender bactérias criamos ambientes perfeitos para seu desenvolvimento em placas e tubos de ensaio meticulosamente preparados. Se queremos que a criança crie a humanidade futura da forma mais bela e sublime possível, precisamos preparar ambientes cuidadosamente pensados para elas, para o benefício delas e a vida delas.

O ambiente da criança deve ser seguro, belo, preparado para sua atividade, acessível e limitado em número de objetos. Devemos garantir a liberdade da criança, e se ela será livre, precisamos garantir que ficará bem. Por isso, é importante cuidar da segurança no ambiente. As janelas, as eletricidades, as alturas, os fios (de luz e de corte), tudo deve ser liberado para a criança, mas muito lentamente, conforme ela aprenda a viver, conviver, usar e se proteger de cada um. A proibição total nunca funcionou na história da humanidade. A disciplina que funciona é aquela que ensina como agir, não aquela que impede a ação.

A beleza do ambiente da criança é a das galáxias: há brilho, há luz, há estímulo. Mas espaçado por grandes distâncias. Distâncias que, na Terra, são preenchidas de ar. As paredes devem ser claras, neutras, as estantes, prateleiras, e a mobília também. Essa neutralidade pode ser, deve ser, pontuada por belezas brilhantes: poucos bons brinquedos, poucos bons livros, poucos bons enfeites para decoração. Até seis brinquedos, mas geralmente menos, que se deve alterar a depender do interesse da criança. E todos brinquedos que dependam integralmente da criança para acontecer: nenhum brinquedo a pilha, nenhum brinquedo eletrônico, tudo o que dependa completamente das mãos da criança. Com poucas cores de cada vez, pouco estímulo visual ou auditivo, poucas dificuldades. Muitas dificuldades confundem, tencionam, estressam.

Deve haver poucos objetos, para que a escolha criteriosa seja possível. E estes devem ser acessíveis à criança, fisicamente. Devem ficar baixos para que a criança possa tomar água sozinha, comer sozinha, se vestir e despir sozinha, banhar-se sozinha, cuidar-se sozinha. Quando as coisas não podem ficar mais baixas, pode haver um banquinho, firme, forte, amplo, onde se apoiem bem os dois pés da criança, e ela possa acessar o mundo mais alto.

O Comportamento do Adulto

O maior desafio sempre está dentro de nós. Da pele para dentro. O desafio da tranquilidade, de compreender a vida, de olhar com interesse o que nos cerca, de gostar do que temos e perseguir em paz aquilo de que gostaríamos. O maior desafio é mudar o que há de humano em nós, para progressivamente nos tornarmos dignos da criança – aqui, vale dizer, não há culpa. Nós somos, no fundo, todos suficientes e dignos de amor e conexão. O que há é a perseguição de um melhor estado de vida, convivência e educação.

Precisamos viver com a criança não como servos, nem como tiranos, mas como auxiliares, prontos a ajudar em tudo o que for necessário, e prontos a deixar que a criança faça por si tudo aquilo que ela puder fazer sozinha. Nunca devemos ajudar uma criança em uma tarefa que ela acredita poder fazer sozinha. Quando ajudamos demais, inibimos o desenvolvimento da independência. Quando interrompemos uma criança que tenta, inibimos o desenvolvimento da concentração. O esforço da criança é necessário para o melhor de sua vida, e para o melhor da humanidade.

Precisamos aprender a enxergar a criança com esperança e fé. Precisamos sabê-la suficiente. Precisamos acompanhar a criança na caminhada para a vida durante a qual ela atravessa belíssimos caminhos de independência, alegria, amor. É difícil para nós que acreditemos, mas podemos crer: a criança aprende sozinha, é nosso papel preparar aquilo que a cerca, para que ela possa aprender, conquistar, desenvolver-se. Então, ela caminhará em paz, na direção da eternidade, construindo o que há de mais belo em si mesma e no mundo em volta.

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