Segurança no Ambiente Preparado

Uma das principais características do método desenvolvido por Maria Montessori é a interação profunda e constante entre a criança em desenvolvimento e o ambiente que a cerca. Essa interação acontece sempre. A criança sempre olha, repara, absorve, analisa, reproduz muito daquilo que existe em seu entorno. Isso diz respeito não só ao ambiente físico, mas também ao que há de emocional e psicológico nos adultos e outras crianças presentes no meio.

Do ponto de vista montessoriano, o ambiente deve ser preparado para a criança, de forma que possa lhe ajudar a vida. Para que um ambiente possa ajudar a vida de uma criança, precisa cumprir alguns requisitos básicos, sobre os quais conversamos constantemente aqui no Lar Montessori (veja textos sobre o ambiente preparado aqui)

Podemos entender, também, que o ambiente natural, com árvores, relevo terrestre intocado, plantas, animais, lagos, céu, vento, terra… é o melhor ambiente para uma criança se desenvolver, porque é o melhor para qualquer forma de vida, e evoluiu junto conosco, ao longo de milhões de anos. Uma criança que pode viver num ambiente natural é sempre feliz. Tem mais chance de se desenvolver perfeitamente e com esforços contentes e frequentes. Todavia, o ambiente natural não é uma opção para muitos de nós – embora, vale dizer, seja ainda importante levar as crianças a parques, praia, bosques, praças e florestas sempre que possível. Especialmente para os que vivem afastados do meio natural, Montessori desenvolveu o ambiente preparado.

Assim, ainda é importante colocar, o ambiente montessoriano não é um ambiente adaptado. Ele é um ambiente preparado para a criança a partir dos insights que podemos ter observando a natureza da criança e a natureza do mundo. Nesse sentido, quando colocamos tudo baixinho para a criança acessar, fazemos isso porque na natureza há coisas interessantes para o desenvolvimento em todas as alturas. Quando permitimos que a criança mexa com coisas que não são de criança, mas lhe ensinamos a forma perfeita e correta de fazer isso, é porque na natureza não há separação nítida entre as coisas de criança e as coisas de adulto, e o que importa é aprender a lidar com todas elas.

Há, porém, uma diferença de grande importância entre o natural e o humano, ou o urbano. Temos poucos instintos sobrando, em relação aos animais ditos irracionais, e no ambiente doméstico moderno, esses instintos nos servem de muito pouco, pois não surgiram ao longo da evolução para servir a uma casa ou apartamento de concreto, com luz artificial e geladeira. Surgiram para a grama, a caverna, o rio. Dessa maneira, quando preparamos o ambiente para a criança pequena precisamos ter em vista não só tudo o que o ambiente precisa ter de igual à natureza, mas também tudo o que ele precisa ter de diferente. Entre as diferenças está a garantia total de segurança.

Na natureza selvagem não há apartamentos. Há árvores, é bem verdade, mais altas que alguns prédios. Mas os animais que vivem nessas árvores viram-se muito bem nas alturas. Macacos saltam melhor do que nós, pássaros voam sem o auxílio de asas delta, aviões ou qualquer outra ferramenta artificial, quase nenhuma delas precisa de pista de pouso (a exceção, vale dizer, é o albatroz, que voa de forma belíssima, mas que tem dificuldades para pousar). Na natureza, quando há uma queda d’água, um buraco profundo, ou um fiorde, os animais sabem se podem ou não se atirar de lá. Os que voam podem, e atiram-se, à moda dos pássaros. Os que não podem, ficam, e sequer se aproximam muito da beirada, à moda dos elefantes.

Com os humanos acontece algo diferente e, até mesmo, estranho. Nós, naturalmente, não voamos. Entretanto não faltam exemplos de humanos no ar: paraquedas, super-heróis, asa-delta, aviões, helicópteros, homens-morcego, foguetes, bungee jump, parkour, salto em distância, salto com vara, trampolins e plataformas, saltos ornamentais, levitação cinematográfica, todo tipo de ficção científica e fantasia, escaladas, rapel… O fato é que, para um observador iniciante, humanos podem voar. E nós precisamos contar com isso ao preparar nossos ambientes para a criança. Precisamos atentar para o fato de que há alturas impróprias para uma criança, e que elas não podem ter que aprender sozinhas que pular de muito alto pode machucar. Porque a consequência do erro pode ser grave demais.

Precisamos cuidar de nossas escadas e nossas janelas, de estantes com prateleiras e de móveis muito altos, de mezaninos e de segundos andares, precisamos de cuidados para que a criança não possa errar onde o erro pode ser fatal. As crianças não sabem que não podem pular e, especialmente se veem televisão, tudo diz a elas que podem. Elas também não podem aprender às custas do erro, e elas não nascem sabendo. Instintos existem, mas em nossas sociedades, eles são rápida e totalmente suplantados por tendências culturais e esquecidos.

Na natureza há eletricidade. Há raios, há eletricidade estática. Há até peixes elétricos. Mas nenhuma dessas eletricidades é tão potencialmente danosa quanto a de uma tomada. A tomada está lá, sempre, parada, no mesmo lugar, esperando por um acidente. Na natureza as árvores podem levar descargas de raios, mas isso não acontece o tempo todo, e poucos animais procurarão, por curiosidade, uma árvore prestes a receber um raio. Com os peixes elétricos acontece o mesmo: trata-se de uma arma de defesa, e os outros animais sabem evita-la. Com a tomada é muito diferente. Ela está sempre eletrizada, e as crianças não sabem evitar.

Por isso, duas medidas podem ser utilizadas aqui. Primeiro, podemos tampar as tomadas. Se temos algumas que não usamos, podemos instalar espelhos cegos nelas, para que os buraquinhos fiquem escondidos. Outras alternativas são colocar móveis na frente das tomadas ou instalá-las no alto. Podemos também tampar só as saídas da tomada, com pecinhas pequenas de plástico. Mas nesse caso precisamos ficar atentos. Já presenciei uma criança retirando uma dessas pecinhas com um clip de papel – de metal, e muitas crianças arrancando isso com os dedos e as unhas. Funciona enquanto eles são muito pequenos, depois não mais.

Quando crescem, talvez mais do que esconder as tomadas, seja útil ensinar como lidar com elas. Bem devagar, ensinar a colocar os plugs nas tomadas, com cuidado e segurando os plugs claramente só pela parte de plástico. É válido ainda dar alertas à criança de que ela só deve usar tomadas com um adulto por perto e que nunca deve colocar os dedos ou alguma outra coisa nas tomadas, diferente dos plugs. É a vida da criança que está sendo protegida, e precisamos fazer isso direito.

Um terceiro ponto importante tem a ver com o quarto montessoriano. No quarto montessoriano, sabemos, as camas ficam no chão. Isso é necessário porque a criança precisa conseguir subir e descer da cama com a mesma facilidade que nós subimos e descemos das nossas. Por isso não vale uma cama “normal mas que ele consegue subir e descer”, porque nesse caso, se trata de uma cama sobre a qual a criança sobe com esforço demais, e isso atrapalha inclusive seu sono, pois a desperta muito. A cama precisa ser no chão, mas precisamos cuidar dessa cama.

Não são necessárias grades em volta da cama. Cair de uma cama no chão não machuca, e é importante. É caindo que a criança aprende a não cair da cama, e a controlar seus movimentos enquanto dorme. Mas outras atenções devem ser dispensadas: é necessário isolar o colchão do chão, para o frio do piso não passar para o corpo da criança durante a noite. É necessário que se limpe embaixo do colchão e que ele seja virado de tempos em tempos, que se cuide para evitar mofo. Finalmente, em cidades mais frias, é necessário cobrir muito bem a criança, com agasalhos, mais do que com cobertas, que saem durante a noite. Isso é especialmente importante porque com a cama rente ao chão, o ar frio fica na mesma região em que a criança dorme. E assegurar a temperatura de seu corpo também é proteger sua vida.

O ambiente preparado deve ser aquele que melhor provê meios para a criança crescer e se desenvolver com liberdade e o máximo de independência. Liberdade, aqui, não é a ausência de qualquer proteção, limite e cuidado. Não é deixar a criança à própria sorte. Isso seria uma forma de abandono que viria por aniquilar o gênero humano. O ser humano precisa de limites, precisa de proteção e precisa de cuidado, especialmente em seus primeiros anos de vida.

É falso imaginar que porque Montessori defende a liberdade, o método Montessori consiste em não fazermos nada para prepararmos o ambiente e deixarmos que a criança faça o que quiser em um ambiente que nada tem de próprio para ela. O método é uma pedagogia científica que consiste em preparar um ambiente com cuidados totais, retirar dele obstáculos ao desenvolvimento – e inclui-se aqui qualquer coisa que ameace a vida – e então observar a criança em liberdade. A segurança não é só importante em um ambiente montessoriano. Ela é uma das bases do próprio ambiente. Só em um ambiente seguro podemos, sem medo, permitir a liberdade total da criança.

Preparação de Ambientes

4 comentários

  1. Obrigada mais uma vez, Gabriel. Pelo texto e pelo seu trabalho em trazer Montessori para mais e mais perto da realidade de muitas famílias. Quando decidi estudar o método Montessori percebi logo que isso duraria o resto da vida: ele é tão grande quanto o universo para o qual foi criado. Obrigada por me ajudar nessa jornada.

  2. Evitaríamos muito aborrecimento, muito perigo, muita desobediência por parte dos pequenos, por que percebo que muito dos danos causado em lares comuns ´e o de que as crianças querem tocar, experimentar saber o tempo todo mesmo que inconscientemente, ela quer interagir com o meio, ora se é assim que ela aprende.Obrigada Gabriel.

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