Montessori e o Coronavírus – Parte 1 – Educação Cósmica

Quando Maria Montessori foi declarada prisioneira da Inglaterra, na Segunda Guerra Mundial, ficou presa na Índia por seis anos. O aspecto terrível da prisão é óbvio. O aspecto criativo é interessante: Montessori usou seu período de prisão para formar 1.500 professores indianos, escreveu sua obra máxima, Mente Absorvente, e fez uma das descobertas mais importantes de sua carreira: a Educação Cósmica. Montessori encontrou a liberdade no aprisionamento, e nós também podemos fazer isso, se seguirmos algumas das pistas que ela deixou.

A sugestão de Montessori com a Educação Cósmica é que tudo o que existe está ligado a tudo o que existe. Em seu livro “Para Educar o Potencial Humano”, Montessori escreve:

Vamos trilhar juntos o caminho da vida, porque todas as coisas são parte do universo, e estão ligadas umas às outras formando uma unidade completa.

Maria Montessori

O desafio do adulto, com a Educação Cósmica, é oferecer à criança um panorama do mundo que torne evidente a realidade de que todos dependemos uns dos outros para viver. O filho de Maria Montessori conta, maravilhado, da insistência de sua mãe na valorização do esforço de cada indivíduo, na força que seus argumentos tinham quando ela falava da quantidade de pessoas envolvidas em cada pequeno objeto à nossa disposição, em cada prato de comida.

Pense, como exemplo, em um grão de arroz cozido.

Alguém adubou a terra, alguém plantou, alguém regou as plantas ou montou a estrutura de irrigação. Alugém, antes, criou os objetos que tornam a estrutura de irrigação possível, e alguém descobriu os materiais usados, antes ainda. Houve a colheita, a limpeza dos grãos, e depois todos foram ensacados. Pessoas descobriram o material para fazer os sacos de arroz, e alguém os fez. Alguém fez as caixas que transportavam o plástico e depois alguém transportou o arroz. Claro, outras pessoas fizeram as partes do caminhão: as placas de aço, a borracha dos pneus, o motor, e um grande número de trabalhadores esteve envolvido na montagem de tudo isso. Um motorista conduziu o caminhão por uma estrada construída por centenas de pessoas, com terra, pedras e asfalto preparados por mais vários milhares, desde a extração até o acabamento com a pintura do asfalto, ambos renovados periodicamente. Nós poderíamos continuar com o combustível, o estoque, o mercado (desde sua construção até a pessoa que atendeu no caixa) e na cozinha: a água encanada, a torneira, a panela e os utensílios, pratos e temperos todos. Até que, finalmente um único grão de arroz cozido pudesse estar em seu prato.

Vamos trilhar juntos o caminho da vida…

Nem um só fio de algodão em uma camiseta de segunda mão está desligado de toda a história, de toda a humanidade.

Montessori escreveu também:

Forças que fazem o mundo tremer tornam urgentemente necessária a percepção de que a humandade é uma unidade. Já passou o tempo em que um grupo podia ser civilizado, abandonando outros ao servilismo e à barbárie. A persistência nessa ideias obsoletas só podem levar a mais autodestruição.

Maria Montessori, em Para Educar o Potencial Humano

Vale a pena recordar: Montessori escreve essas linhas somente três anos depois das bombas de Hiroshima e Nagazaki.

De volta ao nosso desafio: deixar muito claro para as crianças que tudo o que existe está intimamente ligado a tudo o que existe.

Há duas maneiras de fazer isso, mas só uma funciona.

A primeira opção, claro, é dizer à criança: “Veja, tudo o que existe está conectado. Todas as pessoas são parte da humanidade. Ninguém é mais importante do que ninguém.” – E nós sabemos que, na história da humanidade, declarações como essa nunca surtiram nenhum efeito.

A segunda opção é deixar de lado a lição moral, e contar histórias que mostrem essa unidade, a união e a força da humanidade. As crianças escutam as histórias, e as histórias que escutamos são como lentes que nos fazem enxergar o mundo do jeito certo.

As histórias devem ser bonitas, fortes, impressionistas. As crianças podem esquecer os detalhes, ao longo dos anos, mas devem lembrar da sensação de fascínio, assombro, e da percepção de interconexão entre as coisas.

Nós temos duas histórias para contar sobre o coronavírus, daqui alguns meses.

A primeira diz que o vírus surgiu na China, que o segundo país mais afetado foi a Itália, que os Estados Unidos abusaram de sua fortuna e compraram as máscaras que impediriam outras nações de chegar à barbárie, e que o Brasil enfrentou uma cisão entre posições políticas que se aproveitaram de uma crise de saúde mundial para propósitos eleitoreiros. Essa história termina com o coronavírus se tornando mais uma das forças que atuam permanentemente no mundo.

A segunda história conta que o vírus surgiu no planeta em 2020, e que foi mais rápido do que os governos e os cientistas do mundo todo, no começo. Ele viajava sem precisar de passaportes porque pegava caronas em pessoas de todas as nações. Nunca precisou avisar que estava entrando em qualquer país, porque vivia em pessoas que falavam qualquer língua e de qualquer classe social. No começo, ele foi mais rápido, mas então, a humanidade lembrou que sabia trabalhar em equipe.

Uma parte das pessoas continuou ajudando o mundo a funcionar. Para que todos pudessem comer, alguns continuaram plantando, colhendo, vendendo comida e cozinhando. Para que os doentes pudessem viver, exércitos de saúde continuaram trabalhando nos hospitais, repetindo sem parar que todos os seres humanos são importantes: ricos e pobres, não importa a língua que falam e o lugar onde nasceram. Todas as outras pessoas trabalharam em equipe e ficaram em suas casas. Isso só foi possível porque outras pessoas, muito tempo antes, criaram tecnologias que ajudavam a comunicação a continuar sem as pessoas precisarem sair de casa. Professores trabalharam muito para alunos continuarem aprendendo. Adultos se esforçaram muito para que as crianças continuassem felizes, mesmo presas em casa. E as crianças se esforçaram em dobro, para continuar seu trabalho de criar a humanidade de amanhã, mesmo dentro de casa.

Assim, os governos e os cientistas do mundo todo ganharam tempo, criaram tratamentos e vacinas, e nós conseguimos mostrar ao vírus que não é só ele que viaja sem precisar de um passaporte. O conhecimento humano faz isso também. A solidariedade, a generosidade e a comunicação humana fazem isso também. Porque nós vamos trilhar juntos o caminho da vida. Todas as coisas são parte do mesmo universo, e criam juntas uma unidade completa.

No fim de sua vida, algum repórter perguntou à Montessori qual país ela considerava sua pátria, depois de viajar e morar em tantos lugares. Ela respondeu:

Meu país é um astro, que gira ao redor do Sol, e se chama Terra.

Maria Montessori

Esta é melhor forma que temos de fazer Montessori em tempos de crise: É hora de sermos Terra.


Ficar em casa o tempo todo com as crianças pode ser um desafio. O Lar Montessori tem feito transmissões várias vezes por semana, via YouTube e Instagram para termos chance de olhar tudo o que estamos vivendo pelo ponto de vista de Montessori. Se além disso você quiser uma ajuda um pouco mais estruturada, veja o curso Montessori: Viver em Paz com Crianças, abaixo. São só 2h, e as aulas tem entre 5 e 8 minutos. São breves para você conseguir assistir de verdade, mas trazem alguns dos pontos mais ricos da obra de Maria Montessori. Veja alguns comentários:

Obrigada! Obrigada! Obrigada! Serei melhor mãe, serei melhor professora, serei melhor ser humano!!!

mãe e professora, sobre a aula “Por que crianças (não) fazem birra”.

Gente tô CHOCADA com essa aula. Que visão fantástica do mundo. Faz tanto sentido. Cada dia me apaixono mais por Montessori.

uma mãe, sobre a aula “A Origem dos Conflitos Entre Adultos e Crianças”.

As principais referências deste texto são os livros Para Educar o Potencial Humano e A Educação e a Paz, de Maria Montessori. A fotografia que ilustra o post é da Wachusett Montessori School.

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