É claro que amamos nossos filhos. Alguns de nós amam até mesmo seus alunos. A pergunta agora precisa ser: Até onde este amor pode ajudar? O meu amor é suficiente para proteger as crianças de forças tão grandes, tão mundiais?
Maria Montessori foi, possivelmente, a maior investigadora das potências latentes no ser humano. A maior de todas essas forças seria o amor. Mas a pergunta continua: o amor é suficiente para proteger as crianças de tanto?
O que estamos vivendo hoje é mais do que a guerra da humanidade contra um vírus. É o esforço da ciência contra a ignorância, da união global contra o nacionalismo excludente. É a ascensão do medo como emoção predominante, e da generosidade como forma de ação. O momento é atípico em uma escala mundial. Normalmente, enfrentamos momentos atípicos em nossas vidas pessoais contando com a estabilidade do resto do mundo, nós sabemos que tudo estará lá, esperando por nós, quando nossas vidas individuais voltarem ao normal. Agora não é assim.
Agora, faltam refúgios para muitos de nós. Alguns se refugiam nas igrejas, e por agora não se pode entrar nelas. Alguns se refugiam nos shoppings, que estão fechados. Para outros, o refúgio é o consultório do terapeuta, mas o terapeuta está atendendo de casa agora. Não restam muitos refúgios.
Em um cenário de medo e ansiedade é fácil esquecer do amor. Ele fica em segundo plano, e nós contamos que ele estará lá quando tudo passar. Vamos ter tempo para o amor quando as coisas estiverem melhores.
Assim, vamos dia a dia, sem notar que o amor é a força que nos ajuda a atravessar tudo isso.
É o amor que, vestido de responsabilidade, ajuda as equipes inteiras dos hospitais, da recepcionista ao responsável pela UTI, a continuarem lá, fortes por todos nós. É o mesmo amor que nos ajuda a permanecer dentro de casa, com a coragem frente ao tédio e ao isolamento, à sobrecarga e à falta de instantes prazerosos de solidão tranquila.
Agora sabemos: nós estamos operando alimentados pela energia do amor. Montessori sabia que essa era a única energia que poderia nos levar a algum lugar, e quando dizia isso não era com o sentimentalismo de um poeta. Montessori, segundo as biografias, não era dada a sentimentalismos. A defesa do amor por Montessori é a lucidez de quem viveu duas Guerras Mundiais, regimes totalitários em três países, de quem teve o filho levado de si na mocidade e na velhice, em um campo de confinamento, e é a análise fina de uma mulher que, enquanto era prisioneira na Segunda Guerra Mundial, formou 1500 professores e escreveu uma obra que mudou a história da educação no mundo.
De todas as coisas, o amor é a mais potente.
Maria Montessori, em Mente Absorvente
O momento atual parece tão inadequado para falar de amor. Nós estamos preocupados e tensos. Perdendo o sono diante do presente e do futuro. Em um momento como esse, depois das bombas atômicas, Montessori disse:
Como é estranho que em tempos como os nossos […], quando seria de se esperar que falar de amor seria a mais pura ironia, as pessoas ainda falem sobre ele, tão obstinadamente quanto sempre fizeram.
Maria Montessori, em Mente Absorvente
Nós continuamos falando do amor quando compartilhamos os italianos cantando na varanda, os bilhetes dos vizinhos fazendo compras para os idosos do condomínio, quando fazemos doações incomuns para quem mais precisa, quando tossimos nos cotovelos e paramos na entrada de casa para tirar a roupa e limpar as mãos. O amor se traveste de neurose, obsessão, até de medo ele se disfarça.
Talvez o nosso único trabalho seja tirar as fantasias do amor, e deixar de nos enganar: não é só medo o que estamos sentindo, é a vontade do amor. Não é só ansiedade, é a busca do amor. Não só é ganância, é a sede do amor.
No final do livro escrito depois da Segunda Guerra, Montessori escreveu:
Então precisamos estudar o amor e usá-lo, mais do que qualquer outra força à nossa disposição, porque [o amor] não é uma força emprestada ao ambiente, mas é emprestada para nós. [E Montessori continua:] O uso do amor e sua utilização vão nos levar à fonte da qual ele brota: A Criança.
Maria Montessori, em Mente Absorvente
As crianças são as que mais precisam do nosso estudo e do nosso uso do amor. Elas estão sob enorme estresse, e se puderem contar com nosso amor, carinho e atenção, vão superar tudo isso como se fosse pouco. Crianças conseguem enfrentar quase tudo, se puderem contar com adultos atenciosos, cuidadosos e cheios de amor.
Nosso amor precisa se manifestar claramente para as crianças próximas de nós, em carinho, abraço, atenção. E para as que estão longe, em defesa de políticas públicas que ajudem os 310 milhões de crianças que, sem as escolas, ficaram em risco de desnutrição no mundo todo. Ele precisa aparecer nas palavras doces na hora de dormir de nossos filhos, e nas palavras claras para nossos chefes de Estado de todas as nações. Crianças, segundo a Lei brasileira e a internacional, são prioridade absoluta. Precisa ser assim, em nossas casas, para o Estado brasileiro, e para os chefes de todas as nações. Para as crianças, não existem fronteiras, elas são os cidadãos esquecidos e os mais importantes de todos os lugares.
Nosso amor precisa ser silencioso no abraço, e barulhento nas exigências. A todo momento, no entanto, é preciso ter claro: não é medo que nos faz silenciar, é amor. Não é raiva que nos faz gritar, é amor.
Gosto de imaginar que Montessori repetiria agora o que disse em 1945:
Este é o caminho que o ser humano deve trilhar, em sua angústia e seus cuidados se, como apontam suas aspirações, ele desejar alcançar a salvação e a união da humanidade.
Maria Montessori, em Mente Absorvente.
Ficar em casa o tempo todo com as crianças pode ser um desafio. O Lar Montessori tem feito transmissões várias vezes por semana, via YouTube e Instagram para termos chance de olhar tudo o que estamos vivendo pelo ponto de vista de Montessori. Se além disso você quiser uma ajuda um pouco mais estruturada, veja o curso Montessori: Viver em Paz com Crianças, abaixo. São só 2h, e as aulas tem entre 5 e 8 minutos. São breves para você conseguir assistir de verdade, mas trazem alguns dos pontos mais ricos da obra de Maria Montessori. Veja alguns comentários:
Obrigada! Obrigada! Obrigada! Serei melhor mãe, serei melhor professora, serei melhor ser humano!!!
mãe e professora, sobre a aula “Por que crianças (não) fazem birra”.
Gente tô CHOCADA com essa aula. Que visão fantástica do mundo. Faz tanto sentido. Cada dia me apaixono mais por Montessori.
uma mãe, sobre a aula “A Origem dos Conflitos Entre Adultos e Crianças”.

A afirmação de que as crianças podem superar quase tudo se tiverem amor vem de um estudo do Centro para a Criança em Desenvolvimento, da Universidade de Harvard, disponível no link: https://bit.ly/3bkidlo
A outra referência deste texto é o livro Mente Absorvente, de Maria Montessori.