Via de regra, acreditamos que a criança deva ir para a escola para socializar. Mas em uma escola regular, a única socialização mais próxima de uma verdadeira é aquela que ocorre no intervalo. Em todo o resto do tempo, um grupo de 10, 20, ou 30 crianças obedece ordens de um adulto. Isso é muito parecido com um exército e um chão de fábrica. Mas é muito diferente de uma sociedade.
É início de ano, e nossas dúvidas sobre precisar mandar os filhos para a escola, o processo de adaptação e a necessidade de socialização ficam mais fortes nessas primeiras semanas do que em todas as próximas. Maria Montessori escreveu bastante sobre a socialização entre crianças pequenas, em especial no livro Mente Absorvente, no capítulo Coesão na Unidade Social.
As crianças recém-nascidas, ou muito novas, ainda não estão preparadas para a socialização. Especialmente nos primeiros meses, é bom para a criança estar com poucos adultos e não mudar de ambientes com frequência. Quando estamos parados, em casa ou em outros espaços, as crianças podem ficar em almofadas inclinadas, por exemplo, para que possam observar o entorno e absorver tudo o que sua realidade material e social oferece. Quando estamos caminhando na rua, antes de nossos bebês andarem, podem ficar em slings, e Montessori recomendava que ficassem virados para frente, vendo o mundo do mesmo ponto de vista que nós vemos. É claro que é necessário e bem recebido conversar com os bebês.
Isso é uma preparação direta para a socialização. É difícil socializar em um mundo que nós não conhecemos. É ainda mais difícil socializar enquanto não conhecemos a nós mesmos. Por isso, até os dois anos, ou dois anos e meio, a socialização da criança ainda é bastante frágil. Nesses primeiros tempos, a criança foca em seus próprios esforços continuamente, e constrói a si mesma, pelo desenvolvimento de suas próprias habilidades. Aprende a falar, a andar, e tantas outras capacidades básicas que deve ter para viver com tranquilidade depois. Aqui, a criança já reconhece que há outras crianças, e pode conviver com elas continuamente, na escola, ou em praças e outros pontos de encontro. Mas ainda não existe troca, não existe brincar junto e as crianças não estão prontas para compartilhar brinquedos ou materiais. Cada um brinca ou trabalha com as suas coisas, na presença de outros, com pouca interferência.
Entre os três e os seis anos, quanto mais velha é a criança, mais ela socializa. E essa socialização pode ser magnífica. Montessori escreveu:
Essa unidade que nasceu entre as crianças, que é produto de uma necessidade espontânea, dirigida por um poder inconsciente, e que ganha vida pelo espírito social, é um fenômeno que precisa de um nome, e eu o chamo de coesão na unidade social.
Maria Montessori, em Mente Absorvente
Montessori estava nos dizendo que a socialização descoberta por ela na escola montessoriana era nova e completamente diferente, não só de tudo aquilo que já se tinha visto entre crianças, mas de tudo o que os adultos haviam desenvolvido também.
Segundo Montessori – e qualquer visita a uma boa escola montessoriana vai mostrar o mesmo a você – as crianças socializam de forma pacífica, pelo bem do grupo, ajudam-se mutuamente, e evitam atrapalhar umas às outras. Parece uma utopia, mas ocorre diariamente em salas do mundo todo. A questão que fica é: por quê? Por que isso ocorre nessas salas e não nas outras, nas convencionais, com todas as crianças do mundo?
A resposta, que parece ter pouco a ver com a socialização, mas tem tudo, é que na escola montessoriana as crianças podem trabalhar. Trabalho aqui significa o esforço espontâneo desenvolvido pela criança para adquirir uma nova habilidade ou amadurecer uma habilidade recém-adquirida, feito com concentração, e com o uso da mente e do corpo, ao mesmo tempo.
Quando as crianças têm chance de trabalhar, ficam em paz, e porque ficam em paz são capazes de uma socialização incomum, e muito superior à socialização das escolas convencionais, e do mundo, de forma geral.
Portanto, se a sua criança tem entre dois anos e meio e três anos, e pode ir a uma escola montessoriana, para você a pergunta está respondida: crianças precisam socializar, e ir à escola é uma excelente maneira de fazer isso.
Para todos nós, que não podemos levar nossos filhos a escolas montessorianas, as respostas mais razoáveis a que pude chegar estão abaixo.
Para uma criança entre quatro meses e um ano e meio, se a opção existir para você, vale a pena preparar a sua casa e ficar com seus filhos por aí mesmo. Um outro adulto, seja o cônjuge ou alguém contratado para isso, também é mais do que bem-vindo. Mesmo as boas escolas montessorianas para esta faixa etária fazem salas que imitam casas bem preparadas, em vários aspectos, e há inclusive muitas escolas, especialmente fora do Brasil, que têm programas de pais e filhos, em que educadores com formação montessoriana recebem as famílias inteiras na escola para trabalhar com as crianças e os adultos ao mesmo tempo.
Se o seu filho tem entre um e três anos, uma escola que satisfaça algumas das características que você pode ler aqui vai ser muito positiva para o desenvolvimento dele. Nessa idade, a criança já começa a falar e andar, e pode começar a se envolver com colegas. Note que quanto mais liberdade a escola der às crianças, em um ambiente preparado, mais essa socialização será verdadeira – e diferente da socialização industrial mais comum.
Se você tem filhos de três anos ou mais, a escola provavelmente é o melhor lugar para ele estar. Existem casos pontuais em que uma família com tempo, recursos e muita força de vontade pode fazer um trabalho de escolarização doméstica (homeschooling) superior ao trabalho que uma escola desenvolveria. Mesmo nesses casos, é importante tomar um cuidado especial com a socialização das crianças, porque nessa época da vida, é realmente importante ter amigos, brincar junto, trocar, emprestar, socializar, negociar, cooperar. Novamente aqui, quanto mais liberdade a escola oferecer, em um ambiente preparado, melhor será a socialização das crianças.
As crianças precisam do mundo para que seu desenvolvimento seja saudável. Esse mundo vai mais e mais além da casa, e mesmo além da escola, conforme a criança cresce. Depois dos seis, a socialização passa a ser um dos centros da vida da criança, e dos doze aos dezoito, é o principal motivo para acordar de manhã cedo. Mas desde o início da vida a socialização se desenvolve, pela observação do ambiente, pela descoberta e construção de si mesmo, e depois gradativamente pela co-existência em um mundo em que há outros.
Socializar não é seguir ordens, é muito mais que isso. Nossas crianças precisam e merecem ambientes onde sua socialização possa ser livre e verdadeira. A escola é importantíssima. Por sua vez, para a escola é importantíssimo que a socialização oferecida lá seja o mais genuína possível. Quem sabe, aproximando-se do que Montessori chamou de “coesão na unidade social”.
Meus filhos estudam em uma escola Montessori em Caxias do Sul, RS. É incrível o desenvolvimento. E seus conteúdos são muito relevantes para nosso dia a dia. Por que a educação nunca para.
Olá Gabriel, muito interessante a visão da socialização em Montessori. Sería possível um post sobre “como seguir a criança” após os 6 anos de idade? Obrigada!
Pena que as escolas Montessorianas sejam tão poucas e de difícil acesso, para a maioria esmagadora das famílias brasileiras, digo até mesmo inacessível. Acredito que Maria Montessori quando pensou em seu método, gostaria mesmo de ajudar os mais necessitados, infelizmente isso não ocorre. Por meio de iniciativas como essas deste site é que podemos ter um mínimo de noção do quanto abrangente é esse assunto e de quanto precária é a educação oferecida às nossas crianças, seja em casa, seja na escola e o mundo nem se fala… infelizmente.