Sem saber, o adulto reprime a criança. Interrompe demais. Proíbe demais. Ajuda demais. Mas não é por querer. Fazemos o melhor possível, e por amor. Nenhum adulto acorda, de manhã cedo, e diz para si mesmo: Hoje eu vou fazer o mal. Vou tornar a vida de meu filho muito mais difícil. É claro que não. Nosso objetivo é tornar a vida das crianças muito melhor. E mesmo assim fazemos o contrário.
Montessori insiste:
A pregação em favor da criança deve persistir na atitude de acusação contra o adulto: acusação sem remissão, sem exceção.
Maria Montessori, em A Criança
Mas, assim como quase tudo em Montessori, esta não é uma acusação comum. Em vez de conduzir a uma condenação, ela conduz, justamente ao contrário, à liberdade. E não somente à libertação da criança, mas à do adulto. Como pode uma acusação libertar?
Os erros que o adulto comete em relação à criança, mais do que não serem propositais, não são conscientes. Erramos contra a criança por inconsciência, por feridas que trazemos de nossa própria infância. Os nossos hábitos em relação à criança são invisíveis para nós, como a água é para os peixes. Vivemos imersos em nossos erros, sem nunca perceber. Os nossos erros nos aprisionam, nos conduzem ao sofrimento. Quanto à criança, nossas ações muitas vezes prejudicam todo o seu desenvolvimento. Libertarmo-nos dos erros é, por isso, essencial.
O adulto não tem compreendido a criança e o adolescente; em consequência, trava com eles uma luta constante.
Maria Montessori, em A Criança
A partir dessa ideia, Montessori sugere que o adulto se dedique a um exercício de introspecção, de autoexame. Há inúmeras maneiras de fazer isso. As mais comuns atualmente são a prática de manter um diário, e a meditação mindfulness. Mas você pode escolher o seu caminho, dentro de sua tradição de pensamento e sua visão de mundo.
O importante é que a todo momento, ou pelo menos uma vez ao dia, paremos para observar nossas ações e buscar notar quando causamos sofrimento a nós mesmos e às crianças. A partir daí, diz Montessori, pode ser que ainda não seja possível perceber a raiz de nossos erros, mas ficamos mais sensíveis a eles, mais sensíveis às consequências deles, e mais atentos a qualquer alternativa de comportamento que permita uma vida mais leve.
Para Montessori, um dos pontos centrais que devem ser examinados pelo adulto é seu egocentrismo em relação à criança. O adulto toma a si mesmo como referência do bem e do mal, do correto e do incorreto. Quando digo “a si mesmo” não quero dizer suas próprias ações, mas suas próprias sensações – porque há inclusive ações que o adulto toma e não permite que a criança copie. Então, o adulto julga, direciona e reprime a criança com base, unicamente, naquilo que ele gosta e não gosta, esse é seu termômetro do bem e do mal.
Montessori sugere que quando nos conscientizamos de nosso egocentrismo, podemos enxergar as crianças pelo que elas são: seres profundamente diferentes de nós, em suas necessidades, em suas capacidades, em seus comportamentos naturais. A criança não é só menos do que nós, em habilidades e conhecimentos, nem só mais do que nós, em esperança e esforço. Ela é diferente, e para a enxergar pelo que ela é, não podemos tomar a nós mesmos como referência.
Um ponto de vista é uma coisa perigosa. Se nos amarramos a um ponto de vista, ele pode distorcer toda a nossa experiência da realidade. É muito importante, para o processo de transformação e aperfeiçoamento, que sejamos livres de preconceitos e hábitos. Para isso, a libertação mais essencial é a que nos conscientiza de nossos próprios pontos de vista.
Maria Montessori sabia disso, e quando acusa o adulta, acusa-o para o libertar. Assim, é claro, liberta as crianças.
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Libertar-se dos nossos erros para viver bem e deixar que a nossa criança também viva. Um caminho longo e transformador. Depois de Montessori, depois de você, nunca mais fui a mesma pessoa. Obrigada pelo texto Gabriel!
Gabriel, vc escreveu para mim. Estou em uma busca constante de análise e observação das minhas atitudes com meu filho, tentando diminuir cada vez mais esses erros. E como e difícil.
Um dos maiores obstáculos que enfrento na sala de aula é esse embate com a criança. E eu sei que sou eu quem deve se transformar. Mas preciso de ajuda nisso. Acredito que a prática escolar deva ser em grupo, tanto na sala de aula, quanto na reflexão.
Eu achei interessante o texto, porém eu faço uma ressalva. Se nós não educarmos as crianças, enquanto adultos, baseados em nossas experiências e pontos de vista pessoais, que direção apontar? Nós não correríamos o risco de deixar a criança tomar caminhos obscuros, os quais no médio ou longo prazo, fariam com que ela sofresse muito mais.