Como a Criança Usa os Sentidos para Desenvolver a Inteligência

Nós não nascemos inteligentes. A inteligência, que é a capacidade de estabelecer relações, precisa ser construída e desenvolvida por esforço. E se hoje temos nossas inteligências, isso se deve ao trabalho enorme e intenso que a criança desenvolveu nos primeiros anos de vida.

Na época de Maria Montessori, havia duas concepções sobre o desenvolvimento da inteligência na mente da criança – e essas duas concepções ainda são as mais comuns hoje. Uma defendia que a podia nascer inteligente, ou não, e que ficaria daquele jeito pelo resto da vida. Outra visão sugeria que a criança nasce vazia, como um copo, e que o mundo vai enchendo a criança, e pode ou não a tornar inteligente.

Montessori não pensava de um jeito, ou do outro. Para Montessori, a criança não nasce inteligente, e é o mundo que a ajuda a construir a inteligência. Mas não é o mundo que vai penetrando na mente da criança, é a criança que suga o mundo. E essa é uma diferença importante.

Para o pessoal que pensava que o mundo construia a inteligência da criança, a criança era um ser passivo, que recebia o mundo. Para Montessori, a criança não recebe o mundo, ela agarra o mundo. Ela é completamente ativa no seu desenvolvimento, e se esforça o tempo todo.

Veja um bebê. Perceba a enorme atenção que o bebê dedica ao mundo. Como escuta tudo, como olha para tudo, como pega em tudo, como coloca tudo na boca para reconhecer tudo de todos os jeitos que consegue.

Os sentidos são as ferramentas que a inteligência usa para se desenvolver.

É claro que comer bem é fundamental para o desenvolvimento. Mas a comida do prato não é a única importante. A comida sensorial é tão importante quanto. A criança devora o mundo, e ela precisa ter o que devorar. Uma criança que passa todas as suas horas dentro do quarto não tem comida mental suficiente. Montessori chama isso de “ambiente psíquico” deficiente.

A criança precisa olhar, ouvir e experimentar o mundo. Precisa estar por perto na sala, na cozinha, na lavanderia, precisa estar no colo na rua, no mercado, na feira, e precisa participar, à sua maneira, de tudo conforme se desenvolve. Pegar nas coisas, ouvir, cheirar.

No começo, a atividade da criança é só interior, e por fora ela não faz muita coisa, fica “só olhando”. Enquanto olha, devora tudo, para alimentar a inteligência com experiências dos cinco sentidos. Mas a gente não percebe, porque tudo isso acontece só dentro da criança. Precisamos confiar que está acontecendo.*

Confiar quer dizer que nós não precisamos estimular nossos filhos o tempo todo, com cores brilhantes, sons altos e estridentes, movimentos rápidos e mudanças bruscas. Tudo isso chama a atenção da criança, sim. Mas tudo isso chama a atenção de qualquer um. Não é porque nós olhamos quando ouvimos um som alto que nós gostamos de sons altos, ou cores vibrantes, ou movimentos bruscos. Nós olhamos porque é diferente, não porque é bom. Com a criança é exatamente igual.

De fato, no começo do desenvolvimento a criança presta mais atenção a formas maiores, cores mais chamativas e mais contrastantes, e sons mais evidentes. Com um ou dois anos, no entanto, isso muda completamente, e o prazer da criança não vem mais dos sons óbvios, das formas grandes e fortes. Vem de observar formigas e escutar o som do vento. Os estimulos muitos fortes que damos para crianças o tempo todo são violentos. É uma violência sensorial hiperestimular uma criança.

Claro, há crianças que precisarão de estímulo, clinica e terapeuticamente, e nós vamos oferecer, e Montessori usava seus materiais assim também. Mas mesmo aí, é necessário ter gentileza e cuidado, para estimular bastante, e ainda respeitar o limite do bem-estar da criança. Mostrar batatas e laranjas, para uma criança que não as percebe sozinha, é da maior importância. Ligar a televisão em um desejo de um animal marinho de calças quadradas, que se move rápido e fala muito alto… isso é sempre violento.

Se a inteligência da criança puder agir no mundo, depois que percebe as formas, cores, sons, cheiros, sabores e texturas mais gerais e mais comuns, passa para um segundo estágio. No primeiro estágio, a criança é atraída por todos os sons, todas as formas… Mas depois que conhece o suficiente (lá pelos dois anos de idade), a inteligência começa a dominar mais e mais da atenção da criança. Ela faz um salto.

O salto enorme que ocorre perto dos dois anos de idade é que a criança passa da atração sensorial pelo mundo para uma atração inteligente. Não se trata mais da cor da fruta, mas de investigar uma pequena marca na casca. Não é mais ver o enorme azul do céu, mas acompanhar todo o percurso de um avião, menor do que um grão de areia, a olho nu.

Quando lemos um livro para a criança e ela repara em coisas ínfimas, no cantinho das páginas, devemos ter um enorme respeito diante disso, pois é a inteligência em ação, mostrando para a criança tudo o que pode ser interessante no mundo. Agora, a inteligência já está constituída, e está se exercitando para melhorar.

A inteligência é essa capacidade de fazer relações. A criança observa tudo para entender o que tudo tem de comum e de diferente. E faz isso com detalhes cada vez mais sutis, e depois faz o mesmo com aspectos do mundo que não são mais sensoriais. Percebe similaridades, contrastes, gradações, não só nas cores, mas nas ideias também.

A criança constrói sua própria inteligência ativamente, por esforço, prestanto atenção ao mundo o tempo todo. A criança nunca é passiva. Nós nunca conseguimos ver tudo o que ela está fazendo, porque a maior parte do que faz, faz com a mente, e nós só vemos o corpo. Por isso devemos ter cuidado, esperar, observar, permitir o máximo possível, nunca interromper um interesse da criança e sempre proteger a sua concentração. Nós não vemos o que está acontecendo, mas ali dentro, silenciosamente, a criança está construindo a inteligência da humanidade de amanhã.

Se o adulto puder compreender a importância desse enorme processo silencioso que ocorre nos recantos secretos da mente da criança, poderá respeitar a criança muito mais, aceitando seus segredos, e vivendo em paz com ela.

*É fundamental conhecer marcos de desenvolvimento e características de um desenvolvimento típico, para que você possa desconfiar quando alguma coisa parecer diferente, e possa levar sua criança a um profissional especializado para uma consulta, acompanhamento ou terapia. Quanto mais cedo diagnósticos são feitos, mais podemos ajudar nossas crianças em seu desenvolvimento.


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A principal referência para este texto é o capítulo 9 do livro A Criança, “A Inteligência”.

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