O problema do interesse provavelmente é o maior problema da educação. Desde o início da faculdade, eu desconfiava que, se pudéssemos resolver o problema do interesse, todo o resto se resolveria.
Eu gosto muito de palavras. Pensando sobre a palavra interesse, me veio a suspeita de que ela tivesse segredos para revelar. Tinha. E eu descobri que o segredo para o problema do interesse está na própria palavra.
Em latim, a palavra interesse é interest (como em inglês). Esta palavra é formada por duas partes: inter-est. Então, vamos lá:
Inter: entre, junto, além de. Pense em internacional.
Est: ser.
Se pudéssemos costurar um sentido para a palavra interesse a partir dessas duas partes, teríamos algo como interser, ser junto, ser ao mesmo tempo.
Assim, o segredo para despertar e manter o interesse das crianças é apresentar o mundo para elas da maneira mais interconectada possível. Aceitando que todas as coisas do mundo co-existem, existem juntas, ao mesmo tempo, e que todas as coisas afetam todas as outras coisas.
Como fazer isso na prática?
Vamos pensar em duas situações. A primeira não tem a ver com o aprendizado propriamente dito, mas com conseguir que as crianças nos escutem. A segunda é diretamente ligada ao aprendizado de coisas novas.
Primeira situação: O adulto gostaria que a criança prestasse atenção quando ele fala. E ele sabe que a criança gosta de fazer coisas: desde correr e pular até servir-se de água e colocar a mesa para o jantar, com porcelanas, vidros e todo o resto. Nós desejamos o interesse da criança pelo que dizemos. Mas esse interesse está ligado, profundamente, com a necessidade da criança de agir. Se ela tiver a chance, todos os dias, de agir com propósito, quando o adulto quiser falar com ela, se abaixar e falar devagar, a criança vai se interessar, parar e ouvir.
Isso acontece porque para as crianças aquilo que é dito está diretamente ligado à pessoa que diz. Por isso, Montessori nos ensina que é necessário encantar a criança (ela usa a palavra seduzir). É necessário nos tornarmos adultos que as crianças admirem. A partir daí, somente, é que aquilo que falamos merece ser ouvido. A pessoa que nós somos e as coisas que dizemos intersão, existem juntas.
Segunda situação: o adulto gostaria que a criança, ou o adolescente, se interessasse pelo ciclo da água, e tenta contar a malfadada história da gotinha para uma turma de doze anos. A turma, é claro, não se interessa nem um pouquinho. O adulto tenta uma nova estratégia:
“Quem tem uma garrafa d’água? Quantos anos vocês acham que a água tem? (os alunos: dez! quarenta! duzentos! Cem mil!) Mais! Mais! (os alunos: um milhão! Cem milhões!) Quase toda a água que vocês estão segurando nas mãos é mais antiga do que a Terra, e tem mais de 4 bilhões e meio de anos. Quando a Terra era quente e estava se formando, pedaços de gelo vieram em asteroides. Derreteram no calor da Terra, evaporaram e formaram enormes nuvens no céu da Terra primitiva. (os alunos estão curiosos, mas apegados à água de quatro bilhões e meio de anos, ainda). Essa água toda, no céu, um dia tinha que chover. E quando começou a chover, batendo no chão quente da Terra, evaporou de novo, choveu de novo. E isso se repetiu, por quanto tempo? (os alunos: cem anos! mil anos!) Por onze milhões e quinhentos mil anos! Depois disso, a Terra começou a esfriar, e a água se acumulou. Formou oceanos, rios, lagos, penetrou no solo e formou os lençóis freáticos. Mas ainda hoje há calor da Terra, vindo do Sol, principalmente. E a água ainda evapora, forma nuvens, e chove. Mas (ele termina, amarrando a história) mais da metade de toda a água da Terra começou no espaço sideral, e tem mais de quatro bilhões e meio de anos. Então, a água das garrafinhas de vocês é muito mais velha do que o nosso planeta inteiro.
O que nós fizemos contanto essa história foi pegar um assunto isolado, a gotinha d’água, e transformar em um assunto conectado com tudo o que existe: o espaço, a formação da Terra e a vida dos alunos (na garrafinha). É claro, quando fazemos isso, as coisas ficam muito mais interessantes.
Não é exatamente assim que as coisas acontecem na escola montessoriana. Nela, a educação é interconectada desde o começo, chamamos isso de Educação Cósmica, e as crianças de 6 a 12 anos escutam histórias sobre o surgimento do universo e a formação da Terra, o surgimento e o desenvolvimento da vida, e várias histórias sobre a humanidade. Mesmo quando vamos estudar Gramática e Aritmética, elas não são desligadas da história, ou de sua significação na vida dos alunos. Adiciona-se a isso a convivência entre eles, a escolha da área a que vão se dedicar a cada momento e o assunto de foco, e a oportunidade de trabalharem em equipe, ou dos mais velhos ensinarem aos mais novos, e nós temos camadas e camadas de interesse sobrepostas: o conteúdo, os conteúdos relacionados, a vida do aluno, e os interesses de socialização.
É possível que qualquer criança se interesse por qualquer coisa, mas não por todas ao mesmo tempo, é preciso abrir a chance do interesse, e esperar que ele se esgote, dar tempo à criança e chance de escolher pelo que se interessar. Não podemos fazer educação de qualquer jeito, temos que fazer uma educação interessante, no sentido de ser uma educação que interseja, que demonstre como todas as coisas são profundamente interligadas. Partimos dos aspectos mais gerais (no nosso exemplo, partimos da água de todo o planeta Terra) e vamos para o conteúdo específico que queremos ensinar: o ciclo da água, desde seu início. Depois, retornamos aos aspectos mais gerais, para amarrar tudo.
As crianças já nascem interessadas. Se fizermos as coisas do jeito certo, aceitarmos que aquilo que somos e aquilo que dizemos está ligado, e percebermos a conexão de todas as coisas do universo, temos uma boa chance de fazer com que esse interesse permanece vivo por todos os anos de aprendizado da criança, e depois.
Em Montessori, a interconexão de todas as coisas é explorada no que chamamos de Educação Cósmica. Se quiser saber mais sobre a Educação Cósmica, veja o livro de Maria Montessori, Para Educar o Potencial Humano. Se quiser começar mais devagar e ter uma ideia geral do método Montessori primeiro, veja nosso minicurso de Introdução ao Método Montessori. Em 90 minutos, exploramos os princípios do método Montessori e damos sugestões de estudo para você se aprofundar. Veja o que alguns participantes já disseram:
Maravilhoso! Superou as minhas expectativas. Tudo muito claro, bem explicado e um professor incrível. Adorei o curso.
Amanda Osaki de Campos
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Moacir Santana de Almeida