Como Transformei Gritos em Sorrisos

Eu gritava bastante com crianças. Não grito mais, faz tempo, mas houve um caminho longo para que isso acontecesse. Um caminho que me ensinou a sorrir.

Trabalhei por três anos com cinquenta crianças e adolescentes em uma escola montessoriana. Nos primeiros seis meses, eu percebia que gritava, e percebia que não era uma boa ideia, sabia que estava errado. Mas não sabia o que fazer. “Segurar” os gritos claramente não funcionava e os conselhos que recebia também não. Então, aconteceram duas coisas.

Eu li um livro e uma frase transformadores, e participei de uma sessão de autoconhecimento em uma formação de professores montessorianos.

Primeiro, fiz o curso. Na sessão de autoconhecimento, precisávamos construir um mapa mental com um comportamento nosso que queríamos mudar, e era necessário entender o motivo do comportamento. Para encurtar uma história longa, depois de muito mapa, eu descobri porque gritava.

Eu gritava porque queria que as minhas crianças fossem perfeitas como as dos livros. Queria que minha sala fosse a sala dos livros e dos vídeos. E eu gritava porque queria controle.

Quando descobri isso, passei pelo que Brené Brown chama de “uma crise emocional que também é um despertar espiritual”. Mas falando assim parece agradável, e não foi. Era um pântano. Por semanas, eu estava em um pântano de vergonha, humilhação e desorientação total. Nesse período, li um livro.

Em uma visita a um sebo, encontrei A Arte da Felicidade, do Dalai Lama. Entre outras coisas importantes, ele dizia que todos nós estamos tentando encontrar a felicidade, e todos nós estamos tentando evitar o sofrimento. Isso incluia minhas crianças, e isso me incluia. E ele ensinava que um dos caminhos mais interessantes para a felicidade é buscar diminuir o sofrimento… dos outros. E talvez, só talvez, funcionasse se eu olhasse assim para as minhas crianças, e eu decidi tentar.

Claramente, funcionava. É fácil perceber que uma criança se comporta mal quando está sofrendo. É óbvio o suficiente: ela sente dor, então provoca dor. Mas uma coisa é entender isso intelectualmente. O cérebro dava conta do recado. Outra coisa é o coração. Ele demora. O coração age por hábitos, e meu desafio era mudar o hábito.

Na busca por maneiras de mudar o hábito, esbarrei no Zen Habits. E lá dentro, em um texto que começava com uma frase que mudaria minha vida:

Respire, sorria e vá devagar.

A frase é do monge vietnamita Thich Nhat Hanh. E eu tomei aquilo como a bússula de minhas ações. Decidi que por um semestre seguiria essa orientação em tudo, o tempo todo. E comecei a respirar, a sorrir, a ir devagar. Até que a primeira criança se comportou diferente do que eu gostaria.

Respirar uma vez é fácil. Mas eu queria respirar, sorrir e ir devagar todas as vezes. Encurtando outra história longa, eu me via em pé, frente à janela da sala, respirando, com algumas lágrimas no rosto, até que o sorriso pudesse surgir, e eu pudesse ir devagar de novo. Isso me ensinou uma coisa preciosa, que depois de anos eu descobri ser uma habilidade fundamental do ser humano.

Parar diante de uma situação, e esperar um instante, nos ajuda a enxergar melhor, e a agir com uma chance maior de sucesso. Parar nos ajuda a ver.

E eu via. Porque parava, porque me dava a chance de esperar um instante e de atravessar a impressão de que as coisas são urgentes, porque eu desrespeitava a urgência das coisas em nome da calma, comecei a ver. Comecei a ver o sofrimento de minhas crianças, onde estava seu desespero, de onde partia seu desequilíbrio e qual era sua angústia. Era impossível gritar quando eu via que a pessoa que provocava meu grito não era um vilão, mas uma vítima. E nem sempre uma vítima minha. Mas do mundo e de sua própria vida. E eu podia ser a pessoa que a ajudaria a ter força de novo, esperança de novo.

Foram seis meses compridos. Duraram cada um dos trinta dias que tinham para durar. Não ficou fácil rápido, e nem foi livre de angústia e dúvida – eu duvidei de mim e quem estava ao meu redor também duvidou. Mas era uma decisão: eu nunca mais gritaria com uma criança. Infelizmente, não tive 100% de sucesso. Mas conto nas mãos quantas vezes gritei com uma criança depois daquele ano, e eu sorri muito mais. Aquele foi o primeiro passo de um processo de transformação que continua até hoje, mas já me fez muito mais feliz, muito mais livre e muito melhor com crianças e com adultos.

Então, quero dar a você um passo a passo para transformar gritos em sorrisos, e mais que isso, desespero em esperança.

1. Análise

  • Analise o que faz você perder a calma;
  • Analise qual é a emoção que você sente logo antes de explodir;
  • O que mais em sua vida causa essa emoção? Por que isso faz você se sentir assim?
  • Finalmente, tente descobrir por que você perde a calma.

2. Estudo

  • Leia, assista e converse sobre desenvolvimento infantil;
  • Leia, assista e converse sobre emoções humanas;
  • Leia, assista e converse sobre sofrimento e felicidade.

3. Adote uma atitude

  • Não tente mudar tudo de uma vez;
  • Respire, sorria e vá devagar;
  • Separe dois ou três minutos por dia só para respirar, sem fazer nada;
  • Quando não estiver irritada(o), observe sua criança em paz;
  • Tenha um local de refúgio – pode ser uma janela, um cômodo, até o banheiro. Um lugar para respirar.
  • Atropele o que é urgente – não se deixe iludir, poucas coisas são urgentes de verdade, e quase nenhuma é mais importante que a sua felicidade e a de seus filhos, e a paz em sua casa.

Se você também tem uma história sobre transformar gritos em sorrisos, eu quero saber qual é. Conte nos comentários. Se você ainda está nos gritos, ou se está no pântano, você não está sozinha(o), tem milhares de pessoas bem intencionadas no mesmo pântano que você. Vamos atravessar juntos, porque só assim vale a pena.

Se você gostou deste texto, eu sugiro que você procure por:

  • A Arte da Felicidade, do Dalai Lama;
  • Livros e vídeos do Thich Nhat Hanh;
  • A Coragem de Ser Imperfeito, da Brené Brown;
  • Práticas de gratidão de David Standahast;
  • e leia os quatro ou cinco capítulos finais do livro Mente Absorvente, de Maria Montessori.

Montessori tem um universo de maneiras para se construir uma relação pacífica com as crianças. Estruturei um curso com as mais fascinantes e as mais práticas, para que todos nós possamos ajudar nossas crianças a viverem melhor e, no caminho, transformar as nossas relações em família. Veja o que alguns participantes disseram sobre o curso:

Curso fantástico, detalhado porém com conclusões rápidas, lógicas. O Gabriel elucida e dá vários exemplos de como poderíamos aplicar no dia a dia as dicas ensinadas. Todos os pais deviam fazer esse curso.

Larissa Sequeira, Mãe

Estou amando!!!!! Sempre me preocupei com a educação e desenvolvimento do meu filho. Essas informações que você tem passado tem me ajudado a organizar os meus pensamentos e ações. Obrigada, pelo rumo, pelo norte.

Gislaine de Paula Franco, Mãe

Paz, Preparação do Adulto , , , ,

21 comentários

  1. Adorei a sinceridade. Tb passo por essa transformação como mãe e como professora. Já descobri que o meu motivo se assemelha ao seu. ..necessidade de controle, de ver as coisas fluindo como eu imaginei que deveriam fluir. E como é difícil encontrar um outro jeito de agir e vencer essa necessidade de controle. Isso vale para tudo na vida. Vamos na busca. #tamojunto .

  2. Belíssimo texto !!! Realmente nos faz refletir sobre nós mesmos . O autoconhecimento é realmente necessário ,principalmente nos tempos em que vivemos : acelerado, descompassado …Que não nos deixar refletirmos e descobrirmos quem realmente somos e no que deveremos melhorar .

  3. Para mim o que ajudou muito foi a Disciplina Positiva. Compreender como funciona o cérebro infantil, mas também o adulto. Recuperar a minha criança interior e me lembrar de todas as vezes que eu me senti injustiçada, traída ou subjugada por algum adulto. É difícil, é um trabalho de anos, mas vale a pena.

  4. Texto lindo ! Como mãe descobri e estou trabalhando nisso ,fico feliz em dizer que aprendi a não gritar com meu filho , quando percebo que vou explodir me afasto respiro e tento de novo. Já tive falhas ,mais primeiro procurei entender como vc mencionou no texto e controle me fazia querer gritar . Quando vi a cara que ele me olhou comecei a pensar como eu quando criança sentia e por empatia e amor resolvi mudar !!!! Não é fácil ! Mais vale muito !

  5. Obrigada por compartilhar sua história Gabriel!
    Eu ainda estou nos gritos e sofro todas as noites pelos gritos durante o dia! As pessoas ao me redor acham: “as crianças precisam de um “tranco” de vez em quando!”. Minha vida toda achei isso e ainda acho (por sempre ter pensado e vivido assim, e por não saber onde comecar para mudar) mas minhas atitudes me deixam triste e o pior, deixam meus filhos tristes. Assustados! 😰😭
    Vou ler seu texto todos os dias e transformá-lo em um mantra!
    Obrigada mais uma vez Gabriel!!
    😉🙂

  6. Comigo a chave também foi aprender a ir devagar. Descobri que aquele “não” do meu filho, ou a atitude desafiadora do meu aluno, às vezes precisavam só de um pouquinho de tempo a mais para se dissolverem sem que eu precisasse fazer nada, sem que eu precisasse reagir (como é difícil não reagir sem ignorar!). Ainda estou em desenvolvimento também, claro. E a formação no curso Montessori também foi terapêutica para mim. Mas acho que o principal é isso: observar, esperar um pouco, exercitar a empatia ao invés de estar sempre esperando que o outro é quem deve demonstrá-la. Isso faz nascer o afeto entre as almas. E com o afeto unindo as almas as coisas ficam mais fáceis.

  7. Amei o texto, retrata bem o que estou vivendo nesse momento, até então eu achava que não gritava, mas refletindo melhor, eu grito, é o pior, sem sucesso, quero crescer profissionalmente e pessoalmente, com certeza esses ensinamentos irão me ajudar! Obrigada!!!

  8. Nossa que relato mais profundo, eu estou no pântano , procurando a saída estou na fase das leituras e errando e acertando, estou me descobrindo e assim descobrindo a minha criança, creio que com muitos aprendizados, erros e acertos devagar eu chego lá. Obrigada por dividir suas experiências…

  9. Adorei. E pre ido muito praticar o “Atropele o que é urgente – não se deixe iludir, poucas coisas são urgentes de verdade, e quase nenhuma é mais importante que a sua felicidade e a de seus filhos, e a paz em sua casa.”. Obrigada por partilhar sua experiência e leituras. Abraços

  10. Me identifiquei tanto… Vivo nessa luta de não gritar, mas enquanto leio o texto encontro tantos motivos pra não ver acontecendo na minha casa… É uma situação em que me sinto encurralada 🙁 quando meus filhos eram bebês era mais fácil, realmente quase nada era urgente, mas agora com compromissos de trabalho e horários na escola, e provas ( minha cidade não tem escola Montessori) me sinto encurralada! Alguma dica sobre isso?

  11. Este texto apareceu em um momento muito especial.. Gritos muito com as minhas filhas… A frustracao q as vezes sinto qdo n sou ouvida por elas…pela falta Dr limites q a mais velha apresenta…. Esse eh o tempo p mudar…obrigada pela Luz😊

  12. Olá! Eu gostaria de indicações de bons livros sobre desenvolvimento infantil urgente! 🙁 Meu bebê tem q ano e me sinto despreparada e errando muito! Desde já agradeço.

  13. Oi, Ga! Mesmo antes de conhecer Mostessori, já vinha tentando mudar muitos hábitos em relação à, basicamente, tudo, mas, especialmente, às crianças. Porém, ao longo das pesquisas que venho fazendo para conhecer melhor o método e acompanhando o que escreve e diz, percebo que nunca estive tão longe dos maus hábitos e quão rápida foram as mudanças em função desse aprendizado comparando a outros períodos de minha vida. Gostaria apenas de indicar mais uma leitura, que foi a última peça no meu processo de mudança, o livro ‘O Poder do Hábito’, de Charles Duhigg. Fico grata por todos esses ensinamentos e reconhecer que a mudança sempre parte de NÓS! Abraços!

  14. Eu descobri que os gritos em nada contribuíam para construir vínculos entre mim e meu filho em outubro do ano passado, depois que ouvi falar em Maria Montessori e me apaixonei por ela. De lá para cá, está acontecendo uma revolução dentro de mim. Confesso que vira e mexe ainda sai um grito. Mas depois dessa leitura, eles serão ainda menos frequentes. Vou parar, respirar e sorrir…

  15. Oi pessoal o que vcs sugerem pra pessoas como eu…. iguaizinhas a vcs começasse nesse caminho de auto conhecimento e aprendizado? Estou começando e conhecendo este método e estou apaixonada, tenho filhos com transtornos e trabalho a um mês numa ong pra crianças deficientes, por favor me ajudem a começar!

  16. Gabriel, você é incrível. Quando me interessei pela metodologia depois que minha filha nasceu entrei em alguns grupos de estudos, comecei a seguir perfis nas redes sociais, e passei achar que a criança montessoriana é a criança da foto, aquela que colabora, que concentra, que se satisfaz com a atividade, integrada ao ambiente cuidadosamente preparado. O método começou a ser uma fonte de frustração, porque a minha criança é a real, que se irrita, se frustra, que adoece, cuja mãe trabalha para sustentá-la. Passei até mesmo a me frustrar por não ter tempo para ler mais, desenvolver melhor a aplicação do método no nosso dia-a-dia, pela babá não entender nada dos textos que eu peço para ela ler…
    Mas seus textos são de uma sensibilidade, porque você nos acolhe para que possamos acolher nossos filhos. Obrigada mesmo.

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