Como Educar para a Paz num Mundo em Guerra

O que está acontecendo com o mundo nos assusta, e é para ser assim. Independente de nossa posição política, assusta que o embate se torne mais e mais agressivo e violento, e nos perguntamos se isso vai acabar um dia, se esse vai ser o mundo que entregaremos a nossos filhos, se eles serão pessoas melhores, que poderão mudar o mundo. As minhas respostas de fé são: vai acabar, não vamos entregar esse mundo, e eles vão melhorar ainda mais o que herdarem. Mas minha resposta de fé é possível porque eu conheço as crianças, e exercito diariamente o que Montessori (1932) nos mandou fazer:

Devemos ter fé na criança como uma messias, como uma salvadora capaz de regenerar a humanidade e a sociedade.

Essa criança que pode salvar o mundo é uma criança específica. Não é qualquer uma. Na maior parte das casas e das escolas, as crianças são educadas em guerra e para a guerra. Quase toda nossa comunicação com elas se dá na base de ordensnegaçõesFaça issopegue aquilo… não faça assimnão mexa nisso. Desejamos filhos fortes, independentes e capazes, mas os criamos fazendo tudo por eles, inibindo seu movimento, ajudando o tempo todo. O mundo pode ser diferente, se nós pudermos criar uma experiência nova de infância para nossas crianças e adolescentes.

É claro que é impossível resolver todo o problema da guerra e da paz em um texto só. Mas vamos começar. Neste texto, vamos ver um conflito comum em cada faixa etária, e um caminho possível de solução, como exemplos para uma relação mais pacífica entre adultos e crianças.

0-3 anos – Necessidade de Movimento

Crianças precisam se movimentar. É uma lei inviolável da vida. E como acontece com leis naturais, se você tenta contrariar, alguma coisa dá errado. Elas precisam andar, e correr, e subir e descer, e descansar só para começar de novo. Também precisam de movimento fino e delicado, encaixar, enfiar, atravessar, pegar. Nós, por outro lado, queremos que elas fiquem quietas e em silêncio. Montessori dizia que a criança nunca pode confundir “ser boa” com “ficar imóvel” e “ser ruim” com “se movimentar”.

A solução para todos os conflitos que derivam dessa incompreensão é ajudarmos as crianças a encontrarem formas úteis, saudáveis e positivas de se movimentarem. A ação não pode ser impedida, mas pode ser demonstrada e aprendida, e então pode-se ter mais sucesso e mais liberdade. A criança que tem liberdade de movimento quase sempre, com os limites necessários, consegue lidar com situações de exceção. Quem não consegue lidar com exceções é a criança que precisa ficar parada todo dia, o tempo todo.

3-6 anos – Trabalho Independente

Assim que desenvolve movimentos básicos, a criança começa a buscar trabalho. Trabalho é uma atividade com propósito que a criança faz de forma concentrada, e que envolve tanto seu intelecto quanto seu corpo. Trabalho envolve fazer sozinhofazer várias vezes. Nós, adultos, nem sempre entendemos isso e tanto ajudamos mais que o necessário (“faz assim que dá certo, filho”) quanto interrompemos as repetições da criança (“coloca essa calça de uma vez!”).

Montessori foi muito clara aqui, e disse: Nunca interrompa uma criança em alguma coisa que ela acredita que consegue fazer sozinha. (grifo nosso). Se seu filho está focado, tentando conquistar alguma coisa, ou se ele está repetindo um trabalho (lavar as mãos, colocar as calças, contar qualquer coisa) várias e várias vezes, nunca interrompa. As crianças que estão concentradas não precisam de nós. A nossa ajuda mais importante é ter paciência para mostrar novas habilidades que a criança possa desenvolver, demonstrando devagar e repetidamente como se faz as coisas, e depois deixando a criança praticar.

6-12 anos – Conflitos Morais

Quando as crianças crescem um pouco e passam a raciocinar de forma mais abstrata, os conflitos mais presentes em nossas relações com elas podem ser os de ordem moral. A criança nessa idade desenvolve-se moralmente e questiona nossos comportamentos, nossas escolhas, e os comportamentos e escolhas de seus irmãos, colegas, amigos, e até mesmo de estranhos, às vezes em voz alta. Porque costumamos ter um orgulho muito grande de sermos adultos, de nossa autoridade, e achamos que nosso valor está ligado à nossa perfeição, temos dificuldade em lidar com os questionamentos morais da criança, nos acusando de erros que não gostamos de encarar.

Montessori dizia que o erro deve ser companheiro constante de quem deseja se aperfeiçoar, e que perceber o erro é a única forma de melhorar. Montessori também dizia que quando uma criança percebe um erro em nós, isso não nos diminui aos olhos dela, mas sim nos aproxima um do outro. Pessoas perfeitas não são boa companhia. Quando nossas crianças nos questionam, questionam comportamentos, e em vez de nos sentirmos ofendidos, podemos usar a oportunidade para ajudar a criança a descobrir mais uma face da experiência humana, e decidir se aquele comportamento foi correto ou não, em cada situação.

12-18 anos – Grupos e mais Grupos

Na adolescência, é clara a vontade dos jovens de estarem com seus pares. Amigos da mesma idade, colegas, até conhecidos recentes parecem muito importantes – porque são. Os adolescentes precisam de grupo como precisam de ar. É nos grupos que os experimentos da vida social acontece e que o adolescente se prepara para entrar na maturidade, no grande grupo da sociedade. Nós podemos achar que nossos filhos passam tempo demais com seus grupos, especialmente online, e que “você tem uma família!” é um bom argumento para dissuadí-los de passar tanto tempo com os amigos. Mas nem sempre é.

O adolescente precisa ir além da família. Sua entrada na sociedade adulta se aproxima. Nossa maior ajuda é a de facilitar os grupos, mediar quando necessário, e ajudá-los a encontrar um propósito. Unir-se para falar mal do colega é um tipo de grupo que é sinal de pouco espaço para atividade útil. Se os adolescentes puderem encontrar propósito, os grupos serao melhores. Na igreja, nos escoteiros, em academias, estúdios de dança e arte, e em escolas, adolescentes podem fazer grupos úteis e descobrirem, pelo exercício, para que servem, individualmente, tanto internamente no grupo, quanto externamente, servindo à sociedade.

A Paz, para Montessori

Em Montessori, paz não é a resolução do conflito ou o que vem depois dele. Paz é a situação que, sem conflitos maiores e sem nossos impedimentos, permite à criança desenvolver-se de acordo com suas necessidades, criando a liberdade que Montessori caracterizava como condições favoráveis à vida. A criança pode nos mostrar um caminho novo, e uma nova forma de vida, se nós permitirmos a ela se desenvolver em liberdade, em paz, e pudermos compreender suas necessidades verdadeiras.


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