E se você esquecesse que seu filho vai se desenvolver? Se de repente todo o sistema educacional, todos os adultos e todos os produtos para crianças perdessem de vista o fato de que crianças precisam se desenvolver? Se todos os adultos se comportassem com as crianças sem pensar que elas vão virar adultos (e devem virar bons adultos) um dia?
Durante os primeiros seis meses de 2017 estive em uma sala de aula montessoriana todos os dias (algo que centenas de vocês fazem há anos) e o maior aprendizado que tive foi perder de vista o desenvolvimento da criança. Não pensar nele. Mas não pensar no desenvolvimento infantil quer dizer não pensar no desenvolvimento infantil de um jeito muito específico. Um jeito que, ao final, ajuda o desenvolvimento. Este texto é sobre isso.
Nossa tendência é olha para nossos filhos, ou alunos, e pensarmos sobre o que estão aprendendo, o que estão desenvolvendo, o que estão se tornando. A outra tendência comum é olhar para nossas crianas pensando no adulto que nós queremos que elas sejam. Quero propor uma terceira forma de olhar.
Que tal se olhássemos para as crianças pelo que elas são agora?
Se olhássemos para nossas crianças como seres humanos já completos, e que têm necessidades, do mesmo jeito que adultos têm necessidades?
Alguns adultos comem melhor se puderem escolher sua comida todos os dias. Outros têm uma nutrição mais equilibrada se puderem seguir uma rotina. Alguns adultos dormem melhor no escuro absoluto, outros gostam de uma nesga de luz da rua entrando pela janela durante a noite. Alguns adultos gostam de correr para fazer exercício, outros fazem yoga. Em geral, nós entendemos as diferenças entre esses adultos, e não dizemos que precisam de uma só opção, ou de outra, para se desenvolverem bem. Nós aceitamos suas particularidades, suas necessidades, e se amamos esses adultos, tentamos satisfazer algumas dessas necessidades.
Por que é tão diferente com as crianças?
Por que é que achamos que todas as necessidades das crianças são necessidades para desenvolver alguma coisa, e então achamos que satisfazer essas necessidades deve levar ao desenvolvimento?
E se em vez de perguntar:
Do que ela precisa para se desenvolver?
Nós só perguntássemos:
Do que ela precisa, verdadeiramente, agora?
Um exemplo simples:
Se eu vejo uma criança brincando de cozinhar, com panelas de plástico e comida de terra, e se acredito em algumas visões possíveis de desenvolvimento, posso imaginar que aquela criança precisa brincar de cozinhar de mentira para desenvolver sua imaginação.
Mas se em vez disso, eu puder me perguntar do que a criança realmente precisa agora, é mais ou menos fácil chegar à conclusão de que ela precisa cozinhar, e então, num outro momento e sem interromper a brincadeira da criança, eu posso a chamar para cozinhar comigo, na cozinha, com comida de verdade. Eu não estava preocupado com o desenvolvimento da criança, eu estava preocupado com a vida dela, com o presente dela, e suas necessidades.
Mas no caminho de atender às suas necessidades mais profundas, eu atendi às suas necessidades de desenvolvimento.
Muriel Dwyer, em sua breve obra A Path to the Exploration of Any Language (NAMTA Journal) descreve que a melhor abordagem para a alfabetização é a da exploração linguística. Existe, claro, um sistema para essa exploração, mas Dwyer insiste na ausência de pressa, e na preocupação exclusiva com cada passo do caminho, e com a diversão, o entretenimento, a alegria e o interesse da criança. Em vez de pensar na criança alfabetizada que queremos ver, podemos pensar na criança exploradora e cheia de risos e alegrias que temos agora.
Quando a exploração é a base do pensamento pedagógico, ou da criação de nossas crianças, pensamos menos na criança do futuro, pensamos menos no desenvolvimento e pensamos mais na criança de agora, pensamos mais nas necessidades do presente, na exploração mesmo. E vemos muito mais alegria.
É claro que nada disso adiantaria se o método da exploração não funcionasse, não conduzisse, finalmente, a um excelente desenvolvimento. Mas seguir Dwyer foi a melhor escolha pedagógica que já fiz, e por isso este texto nasceu.
É fundamental conhecer o desenvolvimento infantil, tão profundamente, que não seja necessário pensar nele para enxergar as necessidades presentes da criança e os caminhos que levarão a um desenvolvimento completo e saudável. E aí, podemos brincar. Podemos olhar para a criança que temos agora, para suas necessidades, e para sua alegria. Podemos explorar a vida.
O desenvolvimento? Acontece sozinho.
Entenda o desenvolvimento da criança, para não pensar nele:
Obrigada por mais esse importante texto, Gabriel! E de aprendizado em aprendizado, sigo tentando ser uma mãe melhor! ❤❤❤
Amei a matéria.