Nossa realidade funciona em uma dinâmica de centros e periferias. As preocupações mais importantes, as pessoas mais importantes, os acontecimentos mais importantes, são centros. O resto é periferia. Periferia, aqui, quer dizer escanteio. O resto não é prioridade.
No mundo em que vivemos, a criança é periferia. Nós nos preocupamos primeiro com os adultos, depois com as crianças. Os espaços públicos e privados são pensados para os adultos: o tamanho dos degraus das escadas, o altura das pias e dos vasos sanitários, a falta de natureza nas calçadas e a falta de calçadas em tantas ruas. Tudo isso é um jeito de dizer que nós fizemos escolhas, e colocamos o adulto no centro.
A criança vive em contato imediato com o mundo e com sua natureza. “Imediato” quer dizer sem mediação. Especialmente quando é bem nova, a criança ainda não interpreta o mundo pelo olhar da cultura. Ela só vive. Para a criança, é mais importante viver completamente o encontro com uma lagarta na calçada, do que chegar na hora marcada no destino marcado. É o adulto que, conhecendo o relógio, o calendário, e o dinheiro, recorta o tempo e se submete aos ponteiros.
Num mundo que colocasse a criança no centro, dizer “desculpe, chegamos dez minutos atrasados porque precisamos parar para uma formiga” seria aceitável. Também seria aceitável chegar com as calças sujas numa reunião porque sentamos no chão de uma praça na hora do almoço, para descansar. Mesmo que não houvesse crianças conosco, isso seria aceitável, porque nós veríamos o mundo de acordo com outro centro.
Se duas crianças se sentam para comer, mas só uma delas tem comida no prato, a atitude mais comum é que ela divida sua comida com a outra. Não porque as crianças sejam perfeitas, ou angelicais. Mas porque vivem no momento, no agora. A preocupação delas não é ter comida para si no final do mês. É que todos tenham comida agora.
Maria Montessori nos diz que embora os adultos acreditem que precisam ajudar as crianças, em geral são as crianças que ajudam os adultos. Elas nos apontam a direção de um mundo melhor, mais forte, mais puro, mais justo, mais completo e cheio de vida.
Colocar a criança no centro é colocar a vida primeiro. A vida agora. Uma criança não deixa de ajudar alguém que sofre por medo, nem deixa de aproveitar um dia de sol depois de duas semanas de chuva. Nós temos muito para aprender, e elas ensinam generosamente. O que você acha de, quem sabe, se abrir para mudar o centro de lugar?
Muito bom. Gosto dos seus textos…. E estudei Maria Montessori, foi um achado. Obrigada
Neuza Haeser
Obrigada pelas palavras tão bem escolhidas como tesouros. Posso dizer com toda certeza que foi apenas quando descobri que era totalmente desencaixada à cultura que vi o quão infelizmente fomos educados. Felizmente, Montessori validou o conhecimento das criancas tal qual a nossa própria alma, para que assim pudéssemos ser quem somos, apreender o mundo, e nos preparar para assegurar essa felicidade às crianças.
Muito bonito o teu texto, Gabriel! Muito sensível! Quanto podemos aprender com as crianças!