Comece pela Torneira

Esses dias alguém perguntou por onde começar a fazer Montessori em casa, qual o primeiro passo… E eu me enrolei sugerindo liberdade, paciência, observação.

Eu devia ter sugerido um banquinho para a criança acessar a torneira, e que o adulto não interrompesse o uso da torneira depois. Porque é aí que Montessori começa, na verdade.

A torneira é um portal – muitas vezes o único portal disponível na casa – para a natureza. Junto com o sol que entra pela janela, e o vento, a água que sai da torneira é o que restou de natureza na vida da criança.

Quando uma criança pequena abre a torneira e toca a água, ela tem entre os dedos o que sobrou dos rios. E vamos lembrar, os rios desenharam o nosso mundo escavando a terra, e são eles que carregam a vida por onde passam. A criança rega a si mesma.

Para o adulto, permitir o acesso à torneira é um desafio interior. Vai molhar em volta, vai “fazer bagunça”, e o adulto precisa dominar seu desejo de que tudo seja sempre impecável. A criança talvez passe muitos minutos ali, e o adulto precisa aprender a não interromper e a ter paciência.

O banquinho, nessa história toda, quer dizer que a criança poderá acessar a pia e a torneira quando quiser. Isso tira do adulto uma gotinha do controle absoluto que ele costuma ter sobre a vida da criança – nos desacomoda, e nos ajuda a enxergar a criança como gente, como uma pessoa inteira com vontades inteiras que podem e precisam ser respeitadas.

O adulto precisa lidar com a voz interior que diz: “olha o desperdício!” – e o adulto precisa lembrar que mais de 70% de todo o desperdício de água do mundo vem de latifúndios, grandes indústrias e vasamentos nas redes de fornecimento de água. E o adulto precisa lembrar que consertar o mundo dá trabalho, e que interromper uma criancinha brincando na pia não vai melhorar o mundo, mas pode piorar a vida da criancinha.

Eu devia ter sugerido um banquinho para acessar a torneira. Em vez disso, eu sugeri que o adulto aprendesse a esperar. Não foi uma sugestão ruim. Mas esperar o quê?

Esperar a criança acabar de brincar com a água e a espuma. Você não precisa deixar todo o sabonete líquido do mundo à disposição da criança. Pode deixar um daqueles frasquinhos de hotel, com 50ml de sabonete. Pode deixar uma pedrinha pequena de sabonete também. Os limites podem vir do ambiente, mais do que da interrupção da atividade.

Com isso, aprendemos o suficiente sobre liberdade, natureza, repetição da atividade, preparação do ambiente, preparação do adulto, e respeito pela natureza íntima da criança. O suficiente para começar. Um banquinho, e uma torneira. Montessori em casa começa aí.


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